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 quarentaenegedichte

Confinamento

quarentaenegedichte

Maria S. Mendes

quarantaenengedichte, anton valentin humpe

 

Sob o pseudónimo nachmitternacht [trad. depoisdameianoite], Anton Valentin Humpe publica, desde o dia 16 de Março, diariamente um poema concebido sob e sobre a quarentena. Encontramos no seu blogue uma lírica quotidiana, no sentido mais literal possível, que se exprime em formas tão diferenciadas como o soneto, o haiku ou mesmo pequenos guiões cinematográficos.  Um diário poético que podemos percorrer mediante a nossa leitura ou simplesmente deixando ressoar os textos na voz deste jovem autor, nascido, em Hamburgo, no ano de 1992. Estes brotam de uma intersecção entre o mundo exterior, visto por entre as persianas do estado de confinamento, e um mundo de influências literárias cujo rasto se evidencia como um fio de Ariadne no labirinto de uma mente presa a si mesma. 

 

4 de Abril 

 

haiku #2 

der mond scheint traurig, 
melancholisch lächelnd sagt 
er, hab keine angst.

 haiku #2

A lua brilha triste,
sorrindo melancolicamente, diz
assim, não tenhas medo. 

 

 

18 de Abril 

 

seelenräumen

ich räume meinen raum um, 
das ist fast wie ein umzug, 
ich stelle alles anders, 
fühle mich endlich wieder fremd, 
zuhause, in quarantaene, 
wo mich jeder gegenstand 
kennt, oder kannte, 
alles wirkt so neu, anders, 
ich lege platten seit jahren 
zum ersten mal wieder auf und 
bin irritiert vom neuen raum, 
im alten sound, der immer noch 
meine seele spiegeln soll.

 

rearrumar de almas

reorganizo o meu espaço
é como uma mudança de casa
mudo tudo de lugar,
volto finalmente a sentir-me outro,
em casa, de quarentena,
onde cada objecto
me conhece, ou conhecia,
tudo parece tão novo, diferente,
ponho discos que
não punha há anos e
surpreende-me o novo espaço
no velho som, ainda
espelho da minha alma. 

 

 

25 de Abril 

 

celanisiert (eine hommage an paul)

 er hat auch ein gedicht geschrieben
zu diesem thema, einen kranz, 
auch wenn es um was ganz 
anderes ging, oder, wer weiß, 
mit seinem freund, dem herbst, 
wie sie nüsse schälen, für seine geliebte, 
zu deren geschlecht seine augen wandern, 
um sich dunkles zu sagen, sich anzusehen, 
wie mohn und gedächnis, 
einen zyklus beschreibend, schlafend, 
wie wein in den muscheln, 
wie das meer im blutstrahl des mondes, 
fordernd, die zeit, zu erkennen, 
in der wir sind, sie zu kosten, zu spiegeln, 
dass der stein sich zu blühen bequeme, 
dass der unrast ein herz schlage, 
endlich, im traum geschlafen wird, 
nicht im schlaf geträumt, 
geboren vor hundert jahren, 
ist heute alles anders – neu, 
wenn sein kranz uns zurück in die schale kehrt 
und mit ihm die welt verschlingt.

 

celanizado (uma homenagem a paul)

 também ele escreveu um poema
sobre este tema, uma coroa,
embora se tratasse de uma coisa
bem diferente, ou, quem sabe, 
com o outono, o seu amigo, 
descascando as nozes para a sua amada,
para cujo sexo o seu olhar caminha,
entreolhando-se, dizendo coisas escuras, 
como papoilas e memória, 
descrevendo um ciclo, dormindo,
como vinho nas conchas,
como o mar no brilho sangrento da lua,  
exigindo que seja reconhecido o tempo 
em que estamos, que o provemos, o espelhemos, 
que a pedra seja levada a florir,
que o desassossego bata um coração,
que, finalmente, se durma no sonho
e não se sonhe no sono, 
nascido há cem anos, 
tudo é diferente hoje – novo, 
quando a sua coroa nos varre de regresso à casca,
assim engolindo o mundo. 

 

 

1 de Maio 

 

dystopie

ein stein im bach, ein stehender reiher, das rauschen. der reiher fliegt weg.
die straße, eine maske liegt da, kirchturmglocken läuten, entfernte sirenen.
von hinten die aufnahme eines jungen paares, er: “ich habe heute in den spiegel geschaut, es kam mir vor, wie das erste mal.” 
sie: “deine augenringe sind fast weg” 
er: “ja. ich habe mir überlegt, dass ich aufhöre angst zu haben.”
ein baum auf dem eine krähe landet.
sie: “draußen ist es kalt, aber man weiß nicht genau wieso. die zeit vergeht und wir verschanzen uns vor einem mysterium.”  sie bleibt stehen, entnimmt einer packung eine zigarette, enzündet sie und zieht daran. “man sieht nichts, man weiß nichts, das macht die angst. gut für dich.”
er: “ich habe seit tagen nichts mehr gelesen. nichts mehr gedacht. ich habe nur noch versucht zu schlafen ohne zu träumen.”
auch er entnimmt der packung eine zigarette, entzündet sie und raucht.
bild mit beiden, rauchend, sie: “ich habe das gefühl, nichts hat mehr einen namen, höchstens eine nummer.” er “ja. auch die angst ist so eine nummer.”
einer der letzten rollläden geht hörbar runter. die beiden reagieren nicht
sie: “was machen wir, wenn wir den restlichen inhalt verlieren?” 
beide von hinten, laufend.
sie setzen sich unter einen baum auf eine bank, auf der steht, dass das sitzen auf dieser bank verboten sei. 
ein krankenwagen rast laut und leuchtend die straße entlang.
sie summt die noch hörbare sirene nach, verändert aber dann die melodie und summt etwas neues.
die leere straße, ihr summen noch hörbar.
abblende.

  

distopia

uma pedra no ribeiro, uma garça de pé, o rumorejar. a garça afasta-se a voar.
a rua, uma máscara ali no chão, batem os sinos da igreja, sirenes ao longe.
de trás, um jovem casal, ele: “hoje vi-me ao espelho, pareceu-me ser como da primeira vez.”
ela: “quase já não tens olheiras”
ele: “pois. acho que começo a não ter medo.”
uma árvore, na qual pousa uma gralha.
ela: “está frio cá fora, mas não se sabe bem porquê. o tempo passa e entrincheiramo-nos perante um mistério.” pára, tira um cigarro do pacote, acende-o e dá uma passa. “não se vê nada, não se sabe nada, é isso que mete medo. ainda bem para ti.”
ele: “há dias que não leio nada. não tenho pensado. só tenho tentado dormir sem sonhar.”
ele também tira um cigarro, acende-o e fuma.
imagem dos dois, a fumar, ela: “tenho a sensação de que já nada tem nome, quando muito um número.” ele “sim. até o medo é um desses números.”
uma das últimas persianas fecha-se com ruído. nenhum deles reage.
ela: “o que é que fazemos se perdermos o restante conteúdo?”
ambos vistos de trás, caminhando.
sentam-se, debaixo de uma árvore, num banco com um aviso a dizer que é proibido sentar-se.
uma ambulância muito barulhenta e luminosa passa a alta velocidade. 
ela trauteia o som da sirene, mas depois transforma a sua melodia e trauteia outra coisa.
a rua vazia, ainda audível o seu trautear.
fade out.

 

7 de Maio

restart

das leben restartet, 
sprießt, blüht, neu, 
wie ein metafrühling, 
wo drücke ich auf replay, 
wie refreshe ich meinen kopf? 
alles poppt neu auf, 
schneller als gedacht, 
neue normalität, 
wir erfinden uns neu, 
wir finden wieder zu uns, 
durch trennung, 
wir sind dezerstreut der zeit, 
soviele neue projekte, 
resetten das leben, 
dabei ist noch nichts vorbei, 
oder, nur in meinem kopf, 
auf restart, irgendwie, 
so schön neu, 
wie es scheint.

 

restart

a vida em restart
germina, floresce, de novo,
como uma metaprimavera,
onde está a tecla replay,
o refresh da minha mente?
novos pop-ups,
mais rápidos do que pensámos,
nova normalidade,
reinventamo-nos de novo,
reacedemos a nós mesmos,
entre espaços,
somos destroços do tempo,
tantos projectos novos,
a vida em reset
embora a coisa não tenha passado
ou, só na minha cabeça, 
quem sabe, em restart, 
tão nova em folha 
quanto parece. 

 

 

11 de Maio

haiku #4

wo weht die sorge 
hin, wenn sich nur der regen 
noch im see spiegelt?

 

haiku #4

para onde sopram as 
preocupações, se já só a chuva
se reflecte no lago

 


Claudia J. Fischer lecciona na FLUL. Escreveu Sobre Graça e Graciosidade. Tem traduzido Thomas Mann, Rilke, Benjamin, Fassbinder, Brecht e, mais recentemente, publicou a antologia Contos Musicais. Wackenroder, Kleist e Hoffmann.