Pedra-de-toque
A pedra-de-toque, geralmente de quartzo ou basalto, era usada para testar a qualidade de ligas de ouro ou de prata, pelo que a palavra adquiriu o sentido de padrão ou de critério usado para determinar a qualidade de algo. Assim se justifica o nome desta secção, que consiste na criação de um repositório de ensaios excepcionais sobre poesia, aos quais não é fácil aceder por estarem esgotados ou terem sido publicados em livros difíceis de encontrar. Estes ensaios são aquilo que gostaríamos que a crítica fosse, um texto que nos mostra o que não vemos numa primeira ou segunda leitura de um poema, abrindo possibilidades de interpretação, para que o possamos reler com outros olhos.
João Dionísio comenta um capítulo da obra Collationes Patrum do Padre da Igreja João Cassiano (c. 360 – c. 435), dedicado à importância da oração em tempos de míngua, qualquer que ela seja. Nele considera-se repetidamente que o versículo “Deus, entende em na minha ajuda. Senhor, apressura-te pera ajudar-me” deve ser uma oração continuada, uma forma de saúde que nos porá a salvo das tentações e também (quem sabe!) das pandemias.
Neste ensaio, Gustavo Rubim chama a atenção, entre outras coisas, para o facto de o poema “A missão das folhas”, de Ruy Belo, depender da sua emissão. Este poema diz menos da missão das folhas propriamente dita que dos “seus quatro escassos, mas insubstituíveis, versos.”
Em “A Segunda Tentativa”, Miguel Tamen analisa as famosas redondilhas de Babel e Sião de Camões e faz notar que, não obstante a evidente mudança de tom por volta do verso 201, há algo que permanece inalterado ao longo de todo o poema. Contra a tendência geral da exegese camoniana, Tamen sugere que a distinção entre dois tipos de poesia que é ensaiada no poema só pode ser descrita recorrendo aos disparates babélicos dos quais o poeta se pretende desfazer e que, por isso, da palinódia não se segue a expiação. A segunda tentativa, conclui, não só não redime o poeta dos erros da primeira como apenas consegue que neles reincida.
Num dos capítulos de Anticrítico – Ensaios, José Blanc de Portugal, depois de apresentar a sua teoria sobre interpretação de poesia, dá exemplos de como a pôr em prática. O primeiro consiste na análise de um soneto de Jorge de Sena. Neste ensaio, propõe um método de “dissecar” poemas que consiste em passá-los, em primeiro lugar, para prosa, numa tentativa de tornar inteligível a complexidade sintática do soneto em causa, e em fazer depois uma paráfrase possível para o sentido de cada verso.
Num dos capítulos de A Magia que tira os Pecados do Mundo, Alberto Pimenta analisa um poema de António Botto dando particular atenção às relações numéricas que o constituem (número de estrofes, de versos, de sílabas). Como explica, trata-se de uma canção na qual o plano rítmico, que a divide estroficamente ao meio, se cruza com o plano melódico, que a divide por sua vez em três partes. Esse cruzamento é determinante, pois antecipa formalmente aquilo a que depois a canção procura dar representação. Como Alberto Pimenta mostra, o lado arquitectónico do poema não é de todo aleatório, e a representação do amor, ou antes a representação da forma em que ele se apresenta (o encontro amoroso dá-se depois do desejo rechaçado e antes da inevitabilidade do cansaço), não se faz neste poema sem o auxílio precioso da engenharia do verso.
Em “Nove Sílabas Identificam Sylvia: Ler ‘Metaphors’ de Plath”, Harryette Mullen analisa um poema de Sylvia Plath, “Metaphors”, que costuma usar em aulas de literatura ou escrita criativa. A leitura que propõe torna desde logo explícita a solução da charada contida no poema, prosseguindo depois através de uma análise cuidada do modo como a poetisa, pela acumulação de metáforas que bloqueiam ou atrasam a compreensão ao leitor, constrói um poema impregnado de sentidos.
Em “Sobre Poesia Completade Natália Correia”, Clara Rocha sublinha o princípio da metamorfose como aquele que norteia a sua poesia. Fazendo notar a variedade de temas e de tons na poesia de Natália Correia, este ensaio detém-se nas várias facetas desta voz poética. A publicação deste texto é também uma oportunidade para relembrar a poetisa que foi coordenadora da Editora Arcádia, que se destacou na combatividade e intervenção política, que foi condenada pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satíricae que nos deixou, entre outros, um verso admirável como “ó subalimentados do sonho!/a poesia é para se comer”.
Neste ensaio, Joaquim Manuel Magalhães resgata do esquecimento a obra de Pedro Homem de Melo e defende que uma antologia dos seus melhores poemas revelaria “muita expressão verbal surpreendente”.
Em "As duzentas mulheres de Miguel Torga", Alexandre O'Neill fala de um dos seus talismãs, o poema "Lezíria", de Miguel Torga. Na análise que faz do poema, tenta mostrar como a sua "linha de força" é a distância, espacial e humana, anunciada desde logo nos dois primeiros versos: "São duzentas mulheres. Cantam / não sei que mágoa".
“Tenuous and Precarious / Were my guardians, / Precarious and Tenuous, / Two Romans”, assim se inicia o poema de Stevie Smith que António M. Feijó analisa, contrariando a ideia de que estes versos se filiam num género de poesia ligeiro e demonstrando que “there’s murder hidden in it”. Não deixe, contudo, que isto o leve a evitar a leitura, pois nem todas as figuras que surgem no poema perecem, afinal “Our cat Tedious / Still lives,/ Count not Tedious/ Yet.