Vários, Sebastião Belfort Cerqueira
joana meirim
Embarcado ou um poema piroso
Se eu embarcasse
Chorava
Ia morrer de saudades
Como se fosse possível
Ia gostar da mulher
Que não me serviu em terra
Não ia ver o desnível
O mar é todo a direito.
Se eu embarcasse
Algum dia
Sei prever a dor no peito
Que o horizonte daria
Como se fosse hoje aqui
Se eu embarcasse
Esquecia
As razões todas que tenho
Para esquecer-me de
Como se fosse possível.
Véspera de Milagre
Perdemos um outono
Que só no fim de contas
Vamos saber se é muito
Fomos os dois às escuras contra o mundo
Vamos saber se é muito
Difícil arranjar o que partimos
Se entre a relva e o resto
Será mesmo impossível
Perdemos um outono
Que é quando o sol se põe e deixa provas
E podemos apagar-lhe as pegadas
Compará-las com as nossas
Vamos saber se é muito
Se é demais pedir
Pra sermos entre as árvores e o resto
Um dia no qual ninguém acredita.
Mal
Fiquei mal habituado
De beber só água suja
E remar contra clichés
Por ter de explicar aquilo
Que não pode ser explicado
- E a quem não queria –
Uma e outra vez.
Fiquei mal habituado
A achar que o sacrifício
Era questão de princípio
No sentido de começo
E num sentido de início
Achar quase que é normal
Pegar nas coisas do avesso
Endireitá-las no peito
E acabar magoado.
Cresci assim desse jeito
Fiquei mal habituado.
Champanhe
Na noite em que inventaram o bagaço
Vim a saber depois
Pensaram em nós dois
Na noite em que inventaram o bagaço
Como que por magia
Sabiam que eu havia
De o usar pra puxar o lustro ao espaço
Até os olhos doerem de brilhantes
Porque goste-se ou não
É assim que as coisas são
E nunca voltam a ser como eram
Dantes.
Nota: Quatro poemas do livro Monda, de Sebastião Belfort Cerqueira, disponível a partir de 4 de Maio, pelas Edições Sempre-em-pé.
Sebastião Belfort Cerqueira. Desempregado. Lê e escreve alguma poesia. Gosta de rimas.