Vários, Virgínia Mota
Nuno Amado
Dois filósofos no deserto
Em duas fotografias
de Antanas Sutkus
Simone de Beauvoir e
Jean Paul Sartre
caminham
ele com os olhos
alinhados na sombra
ela descalça
com os sapatos na mão
E eu
às vezes
a vida é
um poema
da Adília Lopes
e eu
eu não veio
eu não chegou
para dizer
eu é coisa
precisamente
eu é
nós
assim
alvorada afora
curioso tudo
mesquinhamente
até nascer de novo
nascer hoje
nascer à mão
chegar a pé
eu vim de mãe
e avó
o teu nome agora meu
ao menos
trouxesse um décimo
tudo era bom
Analista
Conheci um analista
que atendia no carro
ao preço de um táxi
- Gosto de dirigir.
- Dizia.
E escutava com atenção
Era uma maneira
de lidar com o trânsito
sem perder a calma
e manter-se fiel
à causa
trabalhista
sem vender a alma
Era bom para o negócio, pensava.
Concordei. E fui embora.
Ainda há esperança no uberismo
Inseparáveis
pão com manteiga
unha e carne
arroz com feijão
o Vaticano e o Papa
queijo minas com goiabada
Eu e você
Virgínia Mota vive entre Portugal e o Brasil. É doutora em Processos Artísticos Contemporâneos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); doutoranda em Filosofia (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro); Mestre em Estética e Filosofia da Arte (Universidade Federal Fluminense); Licenciada e Bacharel em Artes Plásticas (Escola Superior de Arte e Design de Caldas da Rainha). É pesquisadora em processos artísticos coletivos e escreve poesia desde que se lembra de escrever. Escreve numa língua mista. Gosta de pintar, desenhar e fotografa bastante, especialmente com os olhos. É mãe da Aurora, uma pequena grande poeta e tradutora de mundos sensíveis.