Sofrósina
Maria S. Mendes
Sofrósina
Olha: conseguimos!
Entre minérios vulgares
e berilo jadeite musgravite
diria estarmos perante um perfeito nove.
Uma moldura ficaria bem aqui
nesta relação finalmente estabilizada.
O caranguejo diagonou como um bispo
enquanto testava a minha força
numa máquina Gottlieb
e pagava outra rodada
à rapaziada sedenta
e a gasosa corria de grandes desfiladeiros
caindo entre anéis de profundos dedos
sob soturnos olhares
despedaçados sobre as pedras
como algas cadentes
quando a benitoíte se inflama sob a luz negra
e o estroboscópio obtura a pista
pelo último recluso.
Depois o cabedal da noite
como canga sobre a ganga
quando o seu braço encontraria o seu cachaço
e os dois rumavam à eternidade
num silêncio de olheiras
ainda zoando a cromados
e a pontes encavalitadas sobre
baixos rios.
E depois ainda o grande mundo:
raios de cobalto no capote da noite
quando Trastevere era uma boémia
ou Aldous um nome para Oxford
não fosse o tempo chegado
e tivéssemos de arranjar uma solução
em cima dos joelhos
para a torção de sobriedade,
para o dealbar da ordem de serviço
quando estudantes passavam a técnicos
e baladas a despertadores.
Aqui agora nesta intenção de tempo
entre a beleza do ponto sem retorno
e a lúrida manhã
estalamos gengivas,
acordamos a espantada
húbris: os gregos saberão usá-la
com moderação.
Daniel Jonas
Daniel Jonas nasceu no Porto, em 1973. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas (Faculdade de Letras da Universidade do Porto) e é mestre em Teoria da Literatura (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Publicou os livros de poesia Os Fantasmas Inquilinos (2005), Sonótono (2007), Passageiro Frequente (2013), Nó (2014, Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes), Bisonte (2016) e Oblívio (2017), e também a peça de teatro Nenhures (2008). Recebeu o Prémio Europa - David Mourão-Ferreira pelo conjunto da sua obra. Escreveu Estocolmo, Reféns e o libreto Still Frank, todos encenados pelo Teatro Bruto. Traduziu, entre outros, Shakespeare, Waugh, Pirandello, Berryman, Dickens, Huysmans e Wordsworth, e também o Paraíso Perdido, de Milton. Ler aqui.