There is a button on the remote called FAV
Sara Carvalho
There is a button on the remote control called FAV. You can program your favorite channels. Don’t like the world you live in, choose one closer to the world you live in. I choose the independent film channel and HBO. Neither have news programs as far as I can tell. This is what is great about America—anyone can make these kinds of choices. Instead of the news, HBO has The Sopranos. This week the indie channel is playing and replaying Spaghetti Westerns. Always someone gets shot or pierced through the heart with an arrow, and just before he dies he says, I am not going to make it. Where? Not going to make it where? On some level, maybe, the phrase simply means not going to make it into the next day, hour, minute, or perhaps the next second. Occasionally, you can imagine, it means he is not going to make it to Carson City or Texas or somewhere else out west or to Mexico if he is on the run. On another level always implicit is the sense that it means he is not going to make it to his own death. Perhaps in the back of all our minds is the life expectancy for our generation. Perhaps this expectation lingers there alongside the hours of sleep one should get or the number of times one is meant to chew food—eight hours, twenty chews, and seventy-six years. We are all heading there and not to have that birthday is not to have made it.
Claudia Rankine, “There is a button on the remote control called FAV...”, Don’t Let Me Be Lonely: An American Lyric. Minneapolis, Graywolf Press, 2004.
Gosto deste poema porque é sobre preservação.
Primeiro, preservamo-nos do mundo exterior: chegamos a casa, ligamos a televisão e vemos apenas o que queremos. Rankine diz que se trata de escolhermos um mundo mais próximo daquele em que vivemos; no caso dela, um mundo que não seja invadido por noticiários. Poder-se-ia pensar que a autora estaria a evitar acontecimentos violentos, mas, na semana descrita no poema, os canais que Rankine privilegia exibem séries e filmes tão violentos quanto um noticiário: “há sempre alguém que leva um tiro ou apanha com uma seta no coração”. Não é deste tipo de violência que Rankine se quer proteger; simultaneamente, o mundo do qual se sente mais próxima parece ser uma América habitada por imigrantes italianos.
Depois, preservamo-nos da morte vendo pessoas morrer (ou pelo menos assim se presume, tendo em conta as cenas descritas). Mas trata-se de mortes ficcionais, em que as pessoas têm tempo e presença de espírito para dizer frases que dão origem a poemas. Aqueles que levam um tiro ou se lhes crava uma seta no coração ainda dizem: “Não vou conseguir.” Entre a ideia de não se conseguir chegar a um dado sítio e a ideia de não se conseguir chegar à morte no tempo certo, há um salto que Rankine arrisca, e esse salto é importante para percebermos o mundo em que ela vive. Da mesma maneira, é importante a consideração acerca de a América ser fabulosa pela existência do botão “FAV” nos comandos de televisão – ela pode pensar nestes assuntos, escolher alhear-se do mundo exterior, estabelecer paralelismos entre a história violenta dos imigrantes italianos e a história violenta dos negros.
Percebo o que Rankine diz sobre a esperança média de vida, sempre a pairar nos nossos pensamentos: se correr tudo bem, ainda me falta viver pelo menos o mesmo número de anos que vivi até agora. Para que isso aconteça, alguns acham que se deve fazer exactamente o mesmo que se fez até agora – aparentemente, não correu mal. Outros, que talvez se deva começar a respeitar as ditas oito horas de sono e a mastigar a comida um certo número de vezes (no meu tempo, eram trinta, não vinte). Rankine coloca tudo ao mesmo nível, “alongside” (e, curiosamente, refere apenas coisas a fazer, não as que não devemos fazer), mas acho que para se poder chegar ao número de aniversários que é expectável celebrarmos, há que ter em conta os outros requisitos. O homem que diz que “não ia conseguir” não compreendeu que a esperança média de vida de um cowboy em fuga não são os tais 76 anos a que Rankine alude – esses são os dela, enquanto mulher, enquanto alguém que pode dormir oito horas diárias, e que escolhe os canais que vê quando chega a casa. O tipo de preservação que um cowboy almeja está confinado à história que sobre ele se conta; a ironia é que histórias de cowboys (e de imigrantes italianos) são descrições de lutas constantes pela preservação da vida, mesmo quando se consegue chegar ao Texas ou ao México – mesmo aí, é sempre possível sermos atingidos por um tiro ou por uma seta.
Há uma parte de Rankine, e uma parte do mundo, que é preservada com este poema, mesmo que ela não viva os anos que neste momento lhe são estatisticamente atribuídos. Mesmo que ela não chegue lá, já conseguiu, e fê-lo a escrever poemas. Deve haver diferentes maneiras de o fazer, mas todas dependerão, em último caso, de outras pessoas; por isso é que a maior parte de nós faz planos para o seu próprio funeral.
Helena Carneiro
Helena Carneiro fez o mestrado no Programa em Teoria da Literatura (FLUL). É redactora e assistente editorial na Imprensa da Universidade de Lisboa. Dirige a secção de recensões da revista online Forma de Vida, para a qual também faz entrevistas. Tem tido quem lhe explique poesia e gosta muito de Philip Larkin, que na sua lápide preferiu ser denominado “escritor”.