Contact Us

Use the form on the right to contact us.

You can edit the text in this area, and change where the contact form on the right submits to, by entering edit mode using the modes on the bottom right. 

         

123 Street Avenue, City Town, 99999

(123) 555-6789

email@address.com

 

You can set your address, phone number, email and site description in the settings tab.
Link to read me page with more information.

departures

Poemas de agora

departures

Maria S. Mendes

 

:departures:

:departures:

No princípio era o ar.

Ricardo Tiago Moura, ":departures:", Airspace / Espaço Aéreo. London: Carnaval Press, 2017.

Aqui publicado com a autorização do autor e da editora. 

 

Uma das principais razões para eu gostar tanto deste poema de Ricardo Tiago Moura (com que começa o pequeno livro Espaço Aéreo, editado inicialmente no Brasil em 2014 e depois em 2017 em Londres, pela Carnaval Press, numa versão bilingue: inglês e português) é a sensação nítida de que vai ser muito difícil explicar em poucas palavras por que é que gosto tanto dele. E, ao mesmo tempo, porque é um poema que, sendo tão extremamente curto — seis palavras e três sinais de pontuação, no total, incluindo o título —, faz tudo menos impor a sua brevidade como uma lei, um programa, um ideal ou modelo de fala; pelo contrário, essa operação de abreviatura é como entreabrir uma porta que dá acesso a um espaço que parece infinito, onde cada um fica com a liberdade de falar o tempo que quiser e do jeito que entender, sem limites de espécie nenhuma e sem excluir nem depreciar a opção pelo silêncio.

Dizer que este poema prefere dizer pouco é, portanto, dizer muito pouco. O que “:departures:”, de facto, prefere é dizer quase nada. Um título que é uma vulgar tabuleta de aeroporto desviada para o espaço da poesia e uma frase que é uma variação mínima sobre a primeira asserção do versículo inicial do Evangelho de João (“No princípio era o verbo, […]”). Dois cortes, por assim dizer, bastam a Ricardo Tiago Moura para montar um poema. Entre o título e a frase, um intervalo branco bem menor que o restante espaço em branco que fica por debaixo da meia linha isolada que é a única “estrofe” do poema. Essa abundância de branco traz à evidência que não se trata aqui de contenção ou de austera poupança de meios: trata-se, antes, de luxo, o luxo supremamente irónico de recorrer à quantidade de vazio que a poesia achar que lhe é mais conveniente.

Esse luxo, como em toda a grande poesia, é uma afirmação de liberdade. Igual a outras que me fazem gostar tanto deste poema: a de usar mais que uma língua; a de manter ligação com a circunstância biográfica [“Airspace (Espaço Aéreo) is a collection of poems written in airports by the Portuguese poet Ricardo Tiago Moura”, regista a página on-line da Carnaval Press]; a de recorrer à pontuação segundo regras não convencionais (dois pontos antes e depois da palavra-título, à maneira das aspas, mas com um efeito totalmente diferente); a de corrigir um dos textos fundadores da cultura do Ocidente, sem lhe reproduzir a arrogância metafísica e logocêntrica. Acima de tudo, esta liberdade impressionante — para mim, que não sou poeta — de nunca admitir que já tudo foi escrito sem acrescentar, de imediato, que continua tudo por dizer, sobretudo o mais elementar, o mais simples, o mais óbvio.

Esse regresso ao princípio, agora do ponto de vista da aviação, abre um ponto de partida para destinos imprevisíveis. Com ele, acaba a época dos poetas viciados no cansaço da própria poesia.

Gustavo Rubim


Gustavo Rubim aprecia poetas opiómanos, infelizmente raros. Tornou-se professor de literatura (na Nova) por ser um leitor compulsivo, embora lento. É ainda mais lento a escrever e muito raramente os seus ensaios ultrapassam as quinze páginas. Fotografa íbis, rabirruivos, etc.