The Space of the Mandarin Duck
Maria S. Mendes
The Space of the Mandarin Duck
Apparently in Japan
One century and a half ago
The love-language of France
Was thought to be shocking.
So blatant, so presumptuous, so brutal
Its violation of the atmosphere
Proper to every person.
I covet, they said in Japan,
The space of the mandarin duck,
There, at your side, beside you.
The liminal duck took delight
Breezily as a go-between.
Tender obliquity saw it off.
A space with nothing there,
Dear old duck, even unaccompanied
And far, far away from others,
Still your space I covet.
Come the day when a volley of your quacks
Quells every twittering vandal of speech
And unspeaks the sweet-talker
Whose voice curdles with money and hate.
Christopher Middleton, “The Space of the Mandarin Duck”, Collected Later Poems. Carcanet: Manchester, 2014.
Reproduced with permission from Carcanet Press.
* Ler a tradução do poema aqui.
Gosto da destreza com que este poema evolui de uma apreciação competente da delicadeza para uma denúncia enfaticamente grosseira, humoristicamente autoconsciente, mas plena de ameaças proféticas. Admiro que mantenha uma tensão entre um tom delicado e o seu contrário; uma tensão gerida de forma a manter a delicadeza intelectual intacta. O “soslaio terno” com que a primeira parte do poema evidentemente simpatiza, não chega a ser realmente usurpado pela indignação desdenhosa a que se eleva, no final. Tão-pouco fica esta indignação comprometida pelo humor ostensivamente singular que a acompanha. O “soslaio”, de um certo tipo, é um propósito do poema, além de ser o seu assunto.
Não confirmei a afirmação feita na terceira estrofe, i.e., de que uma frase semelhante ao que se diria em inglês “I covet the space of the mandarin duck beside you” [“Eu quero esse espaço do pato mandarim, ao teu lado”] seria de uso corrente, no Japão do século dezanove. Mas tanto na China como no Japão, parece que o pato mandarim, graças aos seus hábitos de acasalamento e companheirismo, era emblemático de constância e de devoção no amor. “The place of the mandarin duck” [“O lugar do pato mandarim”] poderia ser mais idiomático em inglês; mas “space” [“espaço”] conota mais fortemente “vazio” e essa conotação é significativa. Lembra-nos de que o pato é imaginário. Também implica uma vastidão na qual poderíamos viver e movimentar-nos.
Aparentemente, uma das sugestões do poema é esta: que a poesia em si mesma pode ser uma espécie de “soslaio terno”, terno talvez no modo como lida com a linguagem e, através da linguagem, com coisas, mesmo quando o tom não é terno. Apesar da sua ira teatral, este poema é, também ele, oblíquo. A sua obliquidade não se assemelha a opacidade, mas a uma espécie de subtileza enviesada. Aproxima-se do seu tópico derradeiro: a linguagem, incluindo a linguagem poética, de um estranho ângulo, do ponto de vista da autoconsciência; quase frívolo, apesar de, quando chegamos a “piado dos vândalos”, ficar claro que o argumento é sério. É necessária uma certa quantidade de ironia para temperar o ódio audível nos últimos versos, o desdém daquela “falinha mansa” que “engruma” com a voz, criando grumos como um creme mal feito. Deve mostrar-se que o ódio nobre do Poeta-Profeta que se conhece a si próprio se deve distinguir do ódio do vândalo. Porém, o argumento não fica enfraquecido…
Não é fácil articular a coerência do poema através de uma paráfrase. Tal coerência não condena a “língua amorosa” da França do século dezanove; não diz que é “chocante”, mas apenas que parecia sê-lo, no Japão. E duvido de que Middleton sentisse repulsa pelo modo como as personagens falam com quem amam em Zola ou em Balzac. Pelo contrário, a ideia de um idioma dos amantes é apresentada como uma analogia ou uma sinédoque para a linguagem como um todo; e o facto de que o poeta está a falar sobre uma disparidade intercultural que data de “há cento e cinquenta anos”, entre dois países, sendo-lhe ambos mais ou menos estranhos, ajuda a conferir à discussão um sentido de distância antropológica, ou relativismo. Reconhece-se implicitamente que o que confere choque ao do galanteio francófono é determinado por circunstância e perspectiva.
Se isto for verdade para um dos lados da analogia, é também verdade para o outro? Perto do fim, o poema já não lida com amantes com falinhas mansas; está interessado em “dinheiro e ódio”. O poeta que advoga “soslaio” cuidadoso (e o uso de uma linguagem que respeite a “atmosfera” e a dignidade dos indivíduos) pode parecer, aos olhos da maioria dos contemporâneos, quase tão exótico como o Japão do século dezanove parecia aos franceses do mesmo tempo. Então, o poema dele, devido à sua analogia elementar, parece estar pronto a admitir que a sua voz de protesto pertence a uma estranha minoria na cultura de hoje. Mas a sua convicção não fica enfraquecida por essa admissão. O relativismo oferece uma alusão de ironia, à medida que a convicção recusa ser mitigada. O pato que defendia o “soslaio terno”: um discurso cortesmente respeitoso e amoroso; uma linguagem antitética, como a poesia soará, ao “rude” e ao “brutal”; uma rejeição da grosseria. Permita-se que este pato imaginário se torne real e afogue com o seu grasno, o pseudo-discurso degradado, promotor do ódio e inclinado para o dinheiro das tretas políticas e comerciais. Permita-se que os nobres grasnos, numa “salva”, num ataque balístico, acabem com todos estes piados ignóbeis.
Até amanhecer o dia em que o pato venha para sufocar estes “vândalos”, o seu espaço fica vazio: um “espaço vazio sem nada”. Tal espaço não é sequer, necessariamente, um espaço ao lado de alguém; o poeta pode estar solitário, “sem ninguém”. O pato invisível já não é um meio para um fim, instrumental na obtenção de um propósito preconcebido como o galanteio ou a sedução teriam sido. É uma imagem não da escrita do poeta, mas para a escrita do poeta. O espaço do pato mandarim torna-se um espaço a ocupar, por estar ali; pelo “soslaio terno”, que está ligado a um respeito pelos outros (como versos anteriores nos informaram), ainda que estes estejam “longe, muito longe”; pelas pessoas em geral, mesmo que ainda não saibamos que queremos alguma coisa delas. É, acima de tudo, um espaço de oposição ao grasno das falinhas mansas especiosas e persuasivas.
Será que a irrealidade, ou antes, a idealidade da ave deslocada por cada visitante daquele espaço, por cada pessoa cuja atitude delicada perante a linguagem permite a substituição, invalida o processo?
Alex Wong
Alex Wong é Research Fellow em Literatura Inglesa em St John's College, Cambridge. O seu livro Poems without Irony foi publicado pela Carcanet Press.
Tradução Maria Rita Furtado