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Poemas de agora

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Canção da Alma Caiada

Maria S. Mendes

 

Canção da Alma Caiada

 

Aprendi desde criança

que é melhor me calar

e dançar conforme a dança

do que jamais ousar

 

mas às vezes pressinto

que não me enquadro na lei:

minto sobre o que sinto

e esqueço tudo o que sei.

 

Só comigo ouso lutar:

sem me poder vencer,

tento afogar no mar

o fogo em que quero arder.

 

De dia caio minh’alma.

Só à noite caio em mim:

por isso me falta calma

e vivo inquieto assim.

 

António Cícero, “Canção da Alma Caiada”, Guardar: Poemas Escolhidos. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2002.

 

Gosto deste poema porque a sua simplicidade musical não obsta à introspecção psicológica. Na longa-metragem Shadowlands (1993) é atribuída ao escritor C.S. Lewis a frase “we read to know we’re not alone”, assim garantindo que até nos momentos mais desacompanhados nos consolamos em descobrir, numa ou noutra sequência de palavras, uma versão mais articulada daquilo que julgamos sentir.

Embora datável da década de 1970, li o poema “Canção da Alma Caiada”, do poeta brasileiro António Cícero, muito mais tarde. Duas coisas me chamaram a atenção: a estrofe (quadra) e a rima (alternada) correspondiam às descrições mais antigas e convencionais daquilo que reconhecia como poesia. Por outro lado, e tal como o fogo erótico de evocação camoniana (“tento afogar no mar/ o fogo em que quero arder”), o uso das palavras homónimas “caio” (verbo caiar) e “caio” (verbo cair) não só pareciam sugerir um “uso literário da linguagem” como iam ao encontro do vocabulário de uma poetisa que então me interessava particularmente: Sophia de Mello Breyner. Em “Arte Poética I” (Geografia, 1967), Sophia escreve que “Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado”, mas no poema “Porque” (Mar Novo, 1958) a associação é claramente negativa e os outros “são os túmulos caiados/ Onde germina calada a podridão”. Aqui, “caiados” tem o sentido de ocultação, tal como no poema de António Cícero.

Também a musicalidade do poema parecia confirmada pelo próprio título. Na verdade, sob o nome “Alma Caiada”, o poema foi musicado por Marina Lima, irmã do poeta, e gravado por Zizi Possi, que o incluiu no álbum Pedaço de Mim (1979). A canção que dá nome ao álbum, da autoria de Chico Buarque, era para mim totalmente desconhecida e inclui os extraordinários versos “A saudade é arrumar o quarto/ Do filho que já morreu” que, segundo algumas leituras, é uma alusão à violência política da ditadura militar brasileira.

Assim, este poema parece ilustrar três coisas que, por vezes, acontecem quando lemos poesia: descobrimos coisas que desconhecíamos; estabelecemos relações de parentesco entre poemas e/ou poetas; e, finalmente, encontramos pessoas que dizem, de forma mais eloquente, coisas que gostaríamos de ter dito.

António J. Ramalho


António J. Ramalho é arquivista e desconfia de afirmações genéricas, porém enfáticas, do tipo “gosto muito de poesia”.