fridge magnet
Maria S. Mendes
fridge magnet
the recorded opera rising like schnitzelling nostalgia
all conversation sweats across de mousse, ibis squat
on backpacks in the postcard riddled park
archbishops sip cool beers on subliminal rooftops
police parade in six pack spraying cracks in the
paving: show us your passport kiddo you don’t smell
australian; the hospital seemed like a palace until
you’re forced to buy back your own blood served
in ice cubes; elbows need translating this january afternoon
Joanne Burns, “fridge magnet”, Brush. Artarmon: Giramondo Publishers, 2014.
@Joanne Burns. Reproduced with the author’s permission.
Gosto deste poema porque encapsula a história colonial australiana e a abre como a um figo maduro, fazendo-me dar de caras com o seu centro pegajoso. A “recorded opera rising like schnitzelling nostalgia” leva-me directamente aos degraus de granito em frente à Ópera de Sidney, entre a multidão que assiste à projecção de uma ópera. O tom é mordaz, colocando ao mesmo nível martelos para bifes e a nostalgia da ópera, mas o poema não se revela por completo até chegar a “january afternoon”.
O Dia da Austrália – ou Dia da Invasão, como lhe chamam os aborígenes australianos – é a 26 de Janeiro, data em que, em 1788, uma frota de navios britânicos entrou no porto de Sidney, onde hoje se encontra o edifício da Ópera. É por isso que os polícias que patrulham a estrofe do meio não estão só a verificar passaportes, mas também a guardá-la contra “uprisings” (já sugerido na “opera rising” do primeiro verso).
A Ópera ergue-se na península de Bennelong, nome do aborígene que em 1789 foi raptado pelo primeiro governador da colónia porque este precisava de um intérprete. O governador estava sob as ordens do rei de Inglaterra, e ainda hoje a figura de Governador-Geral da Austrália representa o monarca britânico. Bennelong fugiu aos captores (tal como viria a escapar aos massacres e à varíola que dizimaram o seu povo). Veio mais tarde a ser intérprete, já por sua livre vontade, e o governador permitiu-lhe que vivesse onde hoje se encontra o edifício da Ópera.
A revolta do poema borbulha como as cervejas que os arcebispos beberricam na sua sublime indiferença. Burns refere-se a arcebispos como aquele que protegeu os padres pedófilos, e mais tarde, entre 2001 e 2003, veio a serGovernador-Geral (Peter Hollingworth). Um outro Governador-Geral aparece no poema “Seed” de Burns, sentando-se perto dela num cinema e “she was too / gutless to change seats and yell / traitor”. Esse Governador-Geral havia demitido, em 1975, o Primeiro-Ministro de então, o trabalhista Gough Whitlam.
Antes de ter sido demitido, Whitlam, tinha posto fim à política “Austrália Branca”, que limitava a imigração para a Austrália a pessoas de raça branca. Nos anos noventa, quando eu trabalhava na Ópera, Whitlam ainda era um figura formidável. Observei-o uma vez, durante o lançamento de uma nova companhia de dança, enquanto estava de pé sozinho no foyer. Os convidados falavam entre si, ou eram demasiado novos para saber quem Whitlam era. Ele virara-lhes as costas e estava a observar o vasto mural que ocupa a parede em frente à grande janela que dá para o porto de Sidney. O mural é da autoria de Michael Nelson Tjakamarra, um artista aborígene que pintava paisagens estilizadas vistas de cima.
No ano anterior à publicação deste poema, a Austrália começou a “processar” refugiados ilegais enviando-os para campos nas ilhas no Pacífico. O lamento, “you’re forced to buy your own blood served in / ice cubes”, articula a lógica punitiva desta política, em que se oferece asilo a refugiados na condição de que não seja dentro de território nacional.
O mural de Tjakamarra é – como Whitlam tão bem sabia, tomando vagarosamente a sua bebida – muito mais do que uma paisagem. É um mapa de território.
Isabel D'Avila Winter
Isabel D'Avila Winter, escritora luso-australiana, lê um poema de cada vez, e gosta daqueles que a fazem pensar lá com os seus botões, eh pá. Ou mesmo, ehehe. Detesta poemas que a fazem perguntar no fim, tipo filme francês, O quê?? E a criada?