Agora que morre
Maria S. Mendes
Agora que morre
*
Agora que morre,
todos os discursos acerca do meu corpo
o desprendem
como cordas pousadas
à superfície do rio, feitas para balançar
miríades de deuses sobre as águas.
Agora que o desatam,
que o deitam
sem desejo junto à faca, pressinto
de compaixão e nojo a emboscada
lançada ao animal,
a harmonia entre ele e o cansaço,
a luz sem outra
força que arrasar o pensamento.
Dobrou-se
vivo
aos textos
como a amendoeira sobre
a via sacra.
Agora
desprezado
é puro
uma flor
situada no escuro
enchendo a casa de um cheiro venéreo
em noites de agosto.
Andreia C. Faria nasceu no Porto, em 1984. Publicou em 2008 o seu primeiro livro de poemas, De haver relento (Cosmorama Edições). Seguiram-se Flúor (Textura Edições, 2013), Um pouco acima do lugar onde melhor se escuta o coração (Edições Artefacto, 2015). O seu último livro, Tão Bela Como Qualquer Rapaz (Língua Morta, 2017), recebeu o Prémio SPA 2017 para Melhor Livro de Poesia.