Um outro nome que não seja solidão, Cláudia R. Sampaio
Nuno Amado
Um outro nome que não seja solidão
Um outro nome que nos distraia das nódoas,
que nos faça cair de pé como os gatos
Que fosse este sítio cheio de plantas,
ou o tabaco espalhado pelas horas,
uma outra coisa disfarçada
Poderia ser um peixe de luz laranja
ou esta camisola que continuo a vestir
apesar do buraco que alastra,
ou uma caixa de comprimidos servindo de jarra
a um bouquet de flores de plástico
Algo que nos fosse mais gentil
uma solidão com utilidade
Poderia, por exemplo, usá-la com graça,
pendurada como brincos
dar-lhe dentadinhas separando os gomos
Uma outra coisa que nos servisse de lição
que nos fizesse ajoelhar com o som dos átomos
ou falar de amor num autocarro cheio de gente
e não ter medo de sair morto
Uma outra palavra que nos fizesse amar
isto de se ter um ventre vazio
ou cheio de plantas inventadas
Sim, uma outra coisa
como aquela mulher aparentemente viva
e um homem para confirmar
Repara como é precioso este momento de levantar o braço
levar a colher à boca
dizer adeus e não voltar
Cláudia R. Sampaio é poetisa, mas não só. Em 2014 publicou o seu primeiro livro de poesia, Os Dias da Corja (Do Lado Esquerdo), seguindo-se A Primeira Urina da Manhã (Douda Correria), Ver no Escuro (Tinta da China) e 1025mg (Douda Correria). Desde então, tem colaborado em várias revistas e antologias de poesia. Vive em Lisboa com as suas duas gatas.