Vários, José Pedro Moreira
joana meirim
Avistamentos do espectro de Thom Yorke
1. Cowley, anos 90
faz um frio dos diabos
mas a noite até que começou bem
Hi-lo com a Lena e a Carmen
há tanta gordura naquele chão
que o empregado patina até à mesa
faz um salchow enquanto amaldiçoa a vida
as autoridades só não fecham o restaurante
porque a única autoridade
que os donos reconhecem
é Jah Rastafari
e nada lhe agrada mais
do que adulação descarada
e uma sandes de cordeiro a pingar óleo
como eles fazem tão bem
uma injecção de vitamina R para aquecer
e depois no Bar Baby
um gin a seguir ao outro
o sítio está morto
só saloios e varsity boys imberbes
a debater Graham Greene
e a conspirar impérios
isto já viu melhores dias
mais vale
passar já ao Bulli
um gin por favor
para que as pernas
não gelem pelo caminho
o Bulli salva Cowley
o único sítio de jeito para se dançar
na porra deste sítio
é no regresso cambaleante
que o vê
julgou que fosse
mais um vulto
anonimamente embriagado
em fraternal convívio com um muro
só quando se aproxima
é que distingue
o que lhe parece serem asas
Thom
Thom
I saw you play at The Tavern
up in Jericho
Thom
Thom
just wanted to tell you
I really admire
what you guys are doing
o anjo dá sinais de vida
pigarreia
abre os olhos
for fuck’s sake
why won’t you fuck off
fuck off
and let me be
o que mais a choca
é que mesmo então
a sua voz
é divinamente musical
2. Feijó, 2001
dia de verão
está demasiado calor
para se estar em casa
ainda assim ele persiste
estores corridos
deitado na cama
a pequena aparelhagem toca
Come on, come on
Holy Roman empire
Come on if you think
Come on if you think
You can take us on
enrolado sobre si mesmo
o mais próximo
que alguma vez estará
de rezar
uma prece
ao santo padroeiro
dos adolescentes
introvertidos e melancólicos
e das suas grandiosas
e inofensivas vinganças
arquitectadas
entre lágrimas
3. Rose & Crown
senta-se sempre na mesma mesa
a do canto
não longe da porta
e escreve escreve
absorto
todos sabem quem ele é
e que não deve ser incomodado
os mais incautos
que decidem tentar a sorte
não dão dois passos
sem que a landlady
lhes corte o caminho
não vê que o homem está ocupado?
termina a pint de cidra
e despede-se num sussurro
a esta hora
deve ir buscar os miúdos à escola
confidencia-me a boa senhora
de poucas palavras
mas sempre educado
Paros
suponho
que uma parte
é sempre
maior do que a outra
poucas regras perdurarão
mais duramente
quando for tempo
sacudiremos a areia
dobraremos as toalhas
e eu mergulharei no mar
uma última vez
enquanto tu
mudas
o fato-de-banho
José Pedro Moreira
Lisboa, 1983. Vive em Oxford. Publicou traduções do Agamémnon de Ésquilo (Artefacto Edições, 2012) e de Catulo (juntamente com André Simões, Livros Cotovia, 2012). Em 2019 sairá a sua tradução dos Hinos Homéricos (juntamente com Tatiana Faia e Miguel Monteiro). É um dos fundadores e editores da Enfermaria 6 (www.enfermaria6.com). Em 2018 publicou o seu primeiro livro de poesia, Gatos no Quintal.
Nota: Poemas do livro Porque canta um pequeno coração, na Col. Mutatis-mutandis da não (edições), a ser lançado no dia 5 de Outubro. O livro está em pré-venda na Feira do Livro do Porto.