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Marquês de Pombal, vista para o Tejo

Poemas de agora

Marquês de Pombal, vista para o Tejo

Maria S. Mendes

Marquês de Pombal, udsigt til Tejo, Lissabon

Der er en digter i mig, sagde Gud”. Mig er der bare en flod i. Jo, her kunne jeg godt vænne mig til det. Netop her ved vinduet og udsigten til floden. Netop sådan et vindue. Jeg voksede op ved vand, det er derfor. Der er en flod i mig.
Selvom jeg nu er her, er tiden en anden, jeg er en anden, og byen er en anden. Fordi denne by også har formet mig. Fordi jeg elsker byer, fordi jeg elsker byens tage. Fordi jeg elsker denne by mere end alle andre byer. Fordi den bor i mig og ikke omvendt.

Mia Degner, “Marquês de Pombal, udsigt til Tejo”. Perdi-me-te (rejsenoter 2006-2011)). 

 

 

Marquês de Pombal, vista para o Tejo, Lisboa, tradução de Elisabete Sousa

“Há um poeta em mim, disse Deus”. Em mim há tão-somente um rio. Sim, aqui poderia bem habituar-me a ele. Justamente aqui à janela com vista para o rio. Uma janela justamente como esta. Cresci junto à água, é por isso. Há um rio em mim.

Mesmo que eu esteja aqui, o tempo é outro, eu sou outra, e a cidade é outra. Porque esta cidade também me deu forma. Porque amo as cidades, porque amo os dias da cidade. Porque eu amo esta cidade mais do que todas as outras cidades. Porque ela habita em mim e não o inverso. 

 

Gosto deste poema porque nele as palavras atingem uma transparência que nos permite transpor as barreiras que habitualmente se erguem entre o real percepcionado e o real sentido dentro de nós nessa visão clara do rio com que se vislumbra o estuário entre as duas margens a impor-se com a mesma nitidez no íntimo da poetisa. 

Este poema pertence a uma longa série de apontamentos de viagem cujo título revela desde logo a relação particular da poetisa com Lisboa e com a língua portuguesa: Perdi-me-te (rejsenoter 2006-2011). A inclusão do primeiro verso do poema “Passos da Cruz”, de Fernando Pessoa, “Há um poeta em mim que Deus me disse…”, aqui traduzido a partir da tradução dinamarquesa que Mia Degner transcreveu, indicia claramente que os lugares percorridos formam pátrias de línguas, de paisagens dentro e fora do si mesmo, que ganham materialidade nas palavras de cada poema. Encontramos nele todos os elementos que se vão revelando aos olhos do leitor ao longo desse roteiro de andanças por horizontes citadinos e territórios interiores. Várias cidades europeias, Lisboa, Porto, Faro, Madrid, Roma, Copenhaga, outras cujo nome se esqueceu, ou pequenos espaços dentro de outros maiores, um castelo, um aeroporto, um café, permitem instantes de deflagração do eu e do outro.

Gosto do modo como se acumulam as impressões e consequentes descobertas de lugares e de sentimentos num jogo de interioridades e exterioridades, como se as palavras esculpissem superfícies de transição, espaços de contiguidade entre o que se descobre com o olhar que percorre o exterior que se dá a ver e o que se aprende a conhecer dentro de si mesmo através do cultivo do olhar inquisitivo que responde ao porquê do que os olhos descobriram em rios, ruas, árvores, comboios, céus, nuvens, jardins, praças. Só assim se poderá voltar a habitar um eu que já não é o seu, um espaço que de outro modo se habitou, um tempo que com outro sentimento se viveu. Progressivamente, a alternância de paisagens claras e céus encobertos torna manifesto aquilo que a nota explicativa sobre o título antecipara com o pretexto de nos guiar a leitura: numa relação que termina, o afastamento, a perda, a ausência, não é a de um outro, não é a de si mesmo, é a de um si mesmo-outro que só existiu nessa relação e que só é possível reaver e voltar a ver de cada vez que se olha a cidade, o rio, o céu. Podem ser agora reconhecidos como outros, como diferentes, mas serão sempre lugares de pertença da poetisa, da língua em que ele escreve e é lido.

Elisabete Sousa


Sobre a autora: Mia Degner (Copenhaga, 1984). Publicou dois livros de poemas: En lodret drøm [Um sonho perpendicular] (Gyldendal, 2012), Kort over himlen [Mapa celeste] (Gyldendal 2014) og Hjem//By//Ting [Casa//cidade//Coisa] (Forlaget Korridor, 2014, correspondência epistolar escrita com Bue P. Peitersen, Amalie Laulund Trudsø e Ditte Holm Bro). Viveu e estudou em Lisboa em 2005-06 com estadias e viagens através do país até 2011. Entre 2006-2012, desenvolveu várias actividades cinematográficas no âmbito do documentário e do vídeo, com presença em vários festivais europeus e também em Lisboa From my tongue the sea is visible (Galeria Round the Corner, 2011).  

Elisabete Sousa realizou o Mestrado (2000) e Doutoramento (2006) em Teoria da Literatura, tendo publicado a sua tese em 2008: Formas de Arte: a Prática Crítica de Berlioz, Kierkegaard, Liszt e Schumann. Tem publicados numerosos artigos e capítulos de livros sobre a categoria do estético e aspectos literários na obra de Kierkegaard; temas de literatura comparada, em particular, as relações entre literatura e a música. Organizou e editou vários livros de ensaios colectivos; traduz Kierkegaard (Temor e Tremor (2009); Ou-Ou. Primeira Parte (2013) e Ou-Ou. Segunda Parte (2017); e M. Wollstonecraft, Uma Vindicação dos Direitos da Mulher (2017).