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Poemas de agora

Filtering by Tag: Pa’lante

Pa’lante

Maria S. Mendes

 

Oh I just wanna go to work —

And get back home, and be something

I just wanna fall and lie —

And do my time, and be something

Well I just wanna prove my worth —

On the planet Earth, and be, something

I just wanna fall in love

Not fuck it up, and feel something

 

Well lately, don’t understand what I am

Treated as a fool

Not quite a woman or a man

Well I don’t know

I guess I don’t understand the plan

 

Colonized, and hypnotized, be something

Sterilized, dehumanized, be something

Well take your pay

And stay out the way, be something

Ah do your best

But fuck the rest, be something

 

Well lately, it’s been mighty hard to see

Just searching for my lost humanity

I look for you, my friend

But do you look for me?

 

Lately I’m not too afraid, to die

I wanna leave it all behind

I think about it sometimes

Lately all my time’s been movin slow

I don’t know where I’m gonna go

Just give me time, I’ll know

 

Oh, any day now

 

"All died dreaming hating and waiting

 

Dead Puerto Ricans

Who never knew they were Puerto Ricans

Who never took a coffee break

from the tenth commandment

to KILL KILL KILL

the landlords of their cracked skulls

and communicate with their latin souls

 

Juan

Miguel

Milagros

Olga

Manuel

From the nervous breakdown streets

where the mice live like millionaires

And the people do not live at all"

 

From el barrio to Arecibo, ¡Pa’lante!

From Marble Hill to the ghost of Emmett Till, ¡Pa’lante!

To Juan, Miguel, Milagros, Manuel, ¡Pa’lante!

To all who came before, we say, ¡Pa’lante!

To my mother and my father, I say, ¡Pa’lante!

To Julia, and Sylvia, ¡Pa’lante!

To all who had to hide, I say, ¡Pa’lante!

To all who lost their pride, I say, ¡Pa’lante!

To all who had to survive, I say, ¡Pa’lante!

To my brothers, and my sisters, I say, ¡Pa’lante!

¡Pa’lante!

¡Pa’lante!

To all came before, we say, ¡Pa’lante!

 

Hurray for the Riff Raff, “Pa’lante”, The Navigator, ATO Records. 2017.

 

Gosto deste poema porque a sua qualidade não depende das coisas óbvias que se lhe apontam. Ocasionalmente, a boa poesia tem sido descrita como honesta e compatível com a essência do seu autor: quanto mais do autor descobrimos num poema, melhor a qualidade (ou algo parecido). Também ocasionalmente, mas não necessariamente ao mesmo tempo, a poesia boa tem sido descrita como obrigatoriamente política: quanto mais reflectir a sociedade em que se insere, melhor é (ou algo muito parecido). Este poema, aparentemente, colige estes dois factores: o alto teor de pessoalidade e a necessária intervenção cívica.

 

The Navigator (2017), sexto álbum dos Hurray for the Riff Raff, é especial por interromper aquilo que a autora, Alynda Segarra, vinha a fazer nos discos precedentes: depurar estruturas musicais da folk americana. Este, ao invés, vem marcado pelos sons latinos. Neste poema em particular, o título aponta logo para as raízes latinas de Segarra: “Pa’lante” é a contracção de “para adelante”, uma expressão comum entre membros da comunidade porto-riquenha. Mas essas influências latinas também vêm pela voz do poeta Pedro Pietri, que declama na canção parte do seu poema mais famoso, “Puerto Rican Obituary” (o poema recitado é truncado em relação à versão escrita) — a ligação às raízes, como bónus, é feita da forma mais digna: através da poesia.

Esta latinização é temática, para começar, mas é também estilística, ao assumir, numa expressão retirada do poema de Pietri, o “broken english” da condição bilingue de Segarra. A explicação vem do poema de Pietri: “They are dead / and will not return from the dead / until they stop neglecting / the art of their dialogue— / for broken english lessons / to impress the mister goldsteins— / who keep them employed”. Ao contrário do que presumimos normalmente acerca de poesia, acerca do requinte estilístico, o que aqui se aceita desde logo é que o refinamento do inglês é pernicioso (politicamente, como forma de subserviência, mas também esteticamente, no poema, que replica expressões da língua materna como parte integrante do discurso — e isso acontece em Pietri e em Segarra). O poema de Segarra, de um certo ponto de vista, não passa de uma enumeração de clichés: a descrição de que a autora só quer ser alguém, a ideia de que a morte pode ser algo bom, o poema de Pietri como forma de ligação às suas raízes ou a ideia de que sem a nossa herança nunca seremos ninguém. Só deixa de ser um cliché quando Segarra diz “el barrio” e “Arecibo” e depois faz a rima interna em inglês perfeito: “Marble Hill” e “Emmett Till”; quando ela pronuncia os nomes próprios “Julia” e “Sylvia”. A partir desse momento, e retrospectivamente, tudo o que foi dito tem de ser reavaliado.

Para este ser um poema bom é necessário, por um lado, ouvi-lo na voz de Segarra (como, aliás, o de Pietri precisa da voz do autor); por outro lado, é necessário compreender que os melhores poemas podem ser construídos a partir de erros (no caso, dificuldades em lidar com uma segunda língua). A qualidade está latente não nos significados — tudo é óbvio, nesse sentido —, mas nas nuances vocais. De todas as coisas que se disseram deste disco, a minha preferida continua a ser que para o fazer Segarra se rendeu às suas influências de adolescência: ser porto-riquenha e punk em Nova Iorque. Quem estranhar que este poema é o resultado destas duas características, claramente não percebeu nem o que é a poesia nem o que é o punk.

Telmo Rodrigues