Entrevista a Wendy Cope
Maria S. Mendes
Entrevista a Wendy Cope
Ely, 27 de Março de 2018
Wendy Cope abriu-nos as portas da sua casa numa manhã inglesa um pouco fria. Conversámos sobre o último livro que publicou, Anecdotal Evidence, mas também sobre Shakespeare, a incapacidade do Eeyore de escrever um poema e rimas que não funcionam, a questão da adequação de certas formas a um dado poema, a antipatia da poetisa pelo termo “poesia ligeira” (“light verse”), poemas engraçados, poemas felizes e poemas inteligíveis. O marido de Cope, o poeta Lachlan Mackinnon, juntou-se a nós por momentos e, antes de retomarmos a entrevista, falámos animadamente sobre epigramas, Pope e Dryden.
JF: Gosta de poesia?
Gosto de poesia, sim. Gosto de ler e de escrever poesia. E acho que, para se ser poeta, é preciso gostar de poesia, porque para se escrever bem é preciso ler muito. É assim que se aprende. Eu digo aos meus alunos que, se não gostam de ler poesia, podem esquecer.
JF: O seu último livro dá resposta à segunda pergunta que costumamos colocar, que trata do uso da poesia. Por isso, vou saltar essa pergunta [risos].
Bom, mas há outras respostas a essa questão. Na verdade, uma vez escrevi um texto sobre os usos da poesia para um programa televisivo de crítica literária e é uma pergunta que me dá vontade de sorrir: afinal, se não encontrarmos usos para a poesia, o que faremos dela?
JF: Nas entrevistas não é costume fazerem-lhe perguntas sobre as características formais dos seus poemas. Gosta de escrever vilanelas e sonetos, por exemplo.
Gosto das formas poéticas tradicionais. Gosto delas enquanto leitora e divirto-me com elas enquanto escritora. Nem todos os meus poemas obedecem a esses modelos. Quero ser capaz de escrever das duas maneiras. Mas é verdade que as formas tradicionais me dão prazer e é por isso que as uso.
JF: Uma dada forma adequa-se a um dado poema?
Por vezes sei à partida que aquilo que vou escrever vai ganhar a forma de um soneto. Por exemplo, no meu livro existem vários poemas sobre Shakespeare. Estes poemas foram-me encomendados e pensei: se vou escrever poemas sobre Shakespeare, é melhor que sejam sonetos shakespearianos. Outras vezes, pode acontecer que começo a escrever um poema em verso livre e a meio do trabalho apercebo-me de que o texto se devia inscrever numa forma poética tradicional. Às vezes é um bocadinho por tentativa e erro. Começo a escrever obedecendo a uma forma curta, mas chego à conclusão de que o poema devia ser mais longo. Ou começo a escrever uma vilanela, mas não há coisas suficientes para dizer e transformo-a num triolé.
JF: Que outras influências foram importantes para si?
Já me têm perguntado isso. Há um romancista norte-americano que diz: “Não sei quem me influencia, só sei quem são os escritores que me inspiram.” Compete aos críticos descobrir as influências. No entanto, tenho algumas ideias sobre esse assunto. Um dos meus poetas favoritos é Housman, acho óptimo que o conheça, e até conhece os seus poemas humorísticos. Na Inglaterra, Housman já nem é ensinado na escola.
Imagino que Shakespeare seja uma presença óbvia. George Herbert no que respeita ao seu uso da forma. Outros poetas que me inspiraram são a Emily Dickinson e o John Clare. O Clare limita-se a descrever o que ali está, sem tentar modificar ou acrescentar nada. Quando tinha dezasseis anos, gostava do Keats. E ainda gosto. Mas hoje em dia prefiro John Clare, é um poeta mais directo. Constato agora que os meus primeiros poemas eram imitações fraquinhas do T.S. Eliot e da Sylvia Plath, mas não sei se essas influências se mantiveram vivas nos meus livros mais maduros. Outra influência importante foi a Marina Tsevtaieva; existem umas traduções dela feitas por uma poetisa inglesa chamada Elaine Feinstein que são maravilhosas. Não sei nem uma palavra de russo, pelo que não consigo dizer quanto há da Tsevtaieva e quanto há da Elaine, mas estes poemas, e a forma como ela escreve sobre o amor quando fracassa, influenciaram-me sem qualquer dúvida. Como sabe, os falhanços amorosos desempenham um papel de destaque nos meus primeiros poemas. [Risos]. Outro poeta é Heine. Adoro-o. O meu alemão não é muito bom, mas tenho uma edição com uma tradução em prosa no rodapé e isso é óptimo, já que nunca encontrei uma tradução aceitável em inglês. Já o tentei traduzir. Traduzi um bom número de poemas do Heine, mas sem grande sucesso; não é um trabalho que me deixe satisfeita.
JF: Publicou as traduções?
Não, porque não são muito boas, mas fiz a minha tentativa e percebi o grau de dificuldade. Em parte, prende-se com a simplicidade e com as rimas, que são muito difíceis de concretizar. Gosto em particular dos seus poemas sobre o amor. Mais tarde descobri que o Housman também gostava do Heine, o que me deu uma grande alegria.
JF: Lê crítica literária?
Não muito. Uma coisa é certa: não sou crítica literária. O meu marido é o crítico da família e concordaria certamente quando digo que não sou crítica. Não tenho um diploma em Literatura Inglesa. Andei na universidade, mas estudei História, o que significa que o meu conhecimento de literatura tem grandes lacunas. Bom, devo dizer que, mesmo se tivesse estudado Literatura Inglesa, essas grandes lacunas ainda lá estariam. Por outro lado, é provável que tivesse adquirido algumas aptidões críticas. Por vezes leio qualquer coisa sobre poesia, mas não muito.
JF: Lê o que se escreve sobre si?
Ah, sim, claro que sim. Leio o que se escreve sobre mim e fico aborrecida se não é positivo, e agrada-me quando é bom.
JF: Acha que os críticos a entendem?
Às vezes entendem-me. E às vezes até... Quero dizer, uma pessoa quer receber recensões inteligentes. Já tive críticas muito simpáticas, prefiro lê-las a ler as críticas venenosas, mas algumas daquelas revelaram uma falta de entendimento total, pelo que prefiro que me escrevam uma crítica inteligente com algumas reservas. Este último livro ainda não teve muitas recensões, mas há uma no Sunday Times que me agradou muito (ler aqui). O crítico destacou um poema que lhe pareceu um tanto fraco e eu acabei por concluir que concordo com ele, o que não tem problema nenhum. Devia ter-me aplicado mais nesse poema ou tê-lo excluído do livro. Em suma, foi uma crítica agradável. Sim, acho que os críticos me entendem. Fico bastante nervosa quando o livro é editado e com medo de que toda a gente diga coisas horríveis. Também há dois tipos de críticas negativas. Há aquelas em que o crítico genuinamente não gosta dos teus poemas, o que é perfeitamente justo, mas depois há as críticas venenosas. Também já recebi umas quantas destas.
JF: Há alguma coisa de que não goste na poesia? Um cliché? Uma figura de estilo?
A Poetry Reviewpediu-me que escrevesse um manifesto (posso enviar-lhe uma cópia); quando vi os manifestos das outras pessoas apercebi-me de que nunca tinha lido nada tão pretensioso. Então escrevi o meu manifesto onde teci algumas considerações sobre a escrita de poesia.
Há uma coisa que adorava que as pessoas deixassem de fazer nos poemas rimados: rimar uma palavra no plural, como “friends”, com uma no singular, como “send”, põe-me fora de mim. Há uma passagem no livro House of Pooh Cornerem que o Eeyore está a tentar escrever um poema e depara-se com um problema quando percebe que “friends” não rima com “send”. Muda “friends” para o singular. Mas depois tem de pôr um “s” em “send”. Chega à conclusão de que não se consegue rimar “friends” com “send” ou “friend” com “sends”.Nesse momento fica completamente baralhado, este problema deixou-o incapaz de escrever um poema rimado. Hoje em dia, os poetas simplesmente ignoram a dificuldade e isso enerva-me francamente. Também me irrita uma certa categoria de palavras poéticas afectadas. Gosto da linguagem clara, como sabe, mas para mim o mais importante é o tom da voz, aquilo a que eu chamo autenticidade de tom — nós sabemos quando um poeta está a ser honesto. Às vezes entro no registo errado, o texto fica empolado, e tenho de ir ler uns poetas dos bons para voltar a pôr os pés na terra, para que seja eu mesma, sem me pôr a inventar uma voz distinta para a poesia. Mas o meu maior problema com a poesia moderna é haver muita que eu não consigo entender. E eu não sou estúpida. Já li muita poesia. Estava a falar com um amigo que tem um doutoramento em poesia do século XX e que é poeta, e estávamos a conversar sobre um livro que nenhum de nós conseguia perceber. E eu disse-lhe: “Se nem eu nem tu conseguimos entender este livro, para quem terá sido escrito?”.
JF: As pessoas assumem que é bom porque aparenta ser complicado?
Ah sim, conhece a história do “rei vai nu”?
JF: [Risos.] Sim.
A poesia tem muito disso. E por vezes a poesia difícil pode estar escrita de uma forma muito bela, mas, apesar disso, não conseguimos perceber o que é que o poeta está a dizer.
JF: Há alguma coisa de que goste em especial?
Gosto mesmo das formas poéticas tradicionais. É verdade que sinto afinidade com outros poetas que recorrem a formas tradicionais. Há um poeta chamado Kit Wright; se calhar nunca ouviu falar dele, merecia mais fama do que tem. O James Fenton e o Tony Harrison também utilizam as formas tradicionais lindamente.
JF: Acha que os entrevistadores lhe dirigem perguntas diferentes daquelas que colocam aos “poetas difíceis”? Ao ler as suas entrevistas tive a sensação…
[Risos] De que nunca perguntariam tal coisa ao Seamus Heaney.
JF: Sim! Querem saber coisas sobre os seus ex-namorados, por exemplo.
Sim, acho que sim. Não sei em que medida isso se deve a ser mulher ou a ser uma poetisa de um tipo diferente do habitual. Não é raro os jornais enviarem pessoas com poucos conhecimentos e que, não sabendo nada sobre poesia, disparam um rol de perguntas pessoais. Além disso, acham que é isso que os leitores vão querer ler, o que provavelmente é verdade.
JF: [Risos]. Espero que não.
Uma vez, o meu marido entrevistou a Eavan Boland para um jornal de circulação nacional e foi maravilhoso porque a entrevista era perfeitamente séria. E também não se tornou enfadonha porque ele não fez nenhuma dessas perguntas idiotas, o que é muito invulgar.
JF: A Rosalie Collie defende que os dísticos dos sonetos de Shakespeare podem ser considerados epigramas. Li o último livro da Rosalie Collie ao mesmo tempo que li o da Wendy. Os dísticos nos seus poemas dão-lhe que pensar?
Quando escrevo sonetos shakespearianos não tenho o final de antemão, mas essa é a minha parte preferida. Escrevi doze versos e agora falta-me o dístico: esse prazer é uma das minhas coisas preferidas. Não quero saber quanto tempo demora o trabalho, tudo o que importa é encontrar a solução perfeita. Ou seja, não começo pelo final, o final é como o leite-creme depois da refeição. O soneto shakespeariano é uma forma maravilhosa, gosto tanto que nunca escrevo outro tipo [de sonetos]. E tem razão, muitas vezes são epigramas e, ainda para mais, memoráveis. Mas talvez não fossem tão bons se os lêssemos isolados.
JF: Não sei, alguns são mesmo bons.
Vou ter de ver isso. Quero dizer, acho que “Though this be error and upon me proved” não faria sentido sem o que vem antes, de certa forma precisamos do que vem antes. Mas vou ver, talvez alguns se aguentem sozinhos. É uma ideia interessante.
Wendy Cope: És tu? Vem dizer olá. As áreas de interesse da Maria são Shakespeare e poesia contemporânea.
Lachlan Mackinnon: Certo.
Wendy Cope: Já lhe disse que são exactamente as mesmas áreas que te interessam. Ela estava a falar sobre os dísticos no final dos sonetos shakespearianos e sobre uma crítica que os considera epigramas.
Lachlan Mackinnon: Acho que de certo modo são, mas muitas vezes têm qualquer coisa de proverbial, recolhem-se no senso comum, tudo o que o soneto tinha de individualizado generaliza-se no final e ganha uma forma de sabedoria popular, o que, na verdade, parece ser muito característico do Shakespeare.
Maria: Será que os dísticos são uma boa forma de descrever um certo tipo de poesia contemporânea, que, sem ser ligeira, tem as qualidades formais do tom dos dísticos?
Lachlan Mackinnon: Quem poderia inserir-se nessa categoria?
Maria: Os poemas da Fleur Adcock?
Wendy Cope: Uma das minhas poetisas favoritas, por acaso.
Maria: Não sei ao certo quem mais poderia inserir-se, mas acho que é possível agrupar estes poemas numa família. A tendência é a de agrupar os poetas em famílias, mas costumamos fazê-lo...
Lachlan Mackinnon: Sincronicamente, sim. E a sua ideia era fazê-lo diacronicamente.
Maria: Sim, à semelhança do que faz o Winters no Forms of Discovery. Nem todos os poemas que ele selecciona são bons, mas alguns... os poemas do Thomas Wyatt, por exemplo.
Lachlan Mackinnon: O Wyatt é interessante, porque às vezes é terrível.
Maria: [Risos.] Sim, é mesmo.
Lachlan Mackinnon: Mas quando acerta no alvo, é muito bom. Está a referir-se a um certo tipo de poesia lapidar ou epigramática…
Maria: Sim…
Lachlan Mackinnon: Há lugar para o Wordsworth nesse grupo?
Maria: Diria que sim, “a slumber did my spirit steal”?
Lachlan Mackinnon: Sim, na verdade todos os poemas de Lucy. E um poeta como Pope, de certa forma. Ou Dryden.
Maria: Sim, “I am his Highness dog at Kew”, do Pope!
Lachlan Mackinnon: “Pray, tell me sir, whose dog are you”. Sim. Esse mesmo.
[Risos.]
Wendy Cope: Como é aquele outro? O que vem antes de “the proper study of Mankind is Man” Existem imensos poemas epigramáticos.
Lachlan Mackinnon: Sim. E o Dryden.
Wendy Cope: Dryden não conheço bem.
Lachlan Mackinnon: Dryden é um poeta difícil de entender. É sem dúvida alguma um grande poeta, mas não sabemos dizer porquê.
Maria: Confesso que não tenho a certeza se o entendo. [Risos]
Lachlan Mackinnon: Gosto do seu Religio Laici. Cativou-me para a obra dele, apesar de não gostar realmente das Satires. Outros candidatos são Ben Jonson e, de certo modo, Donne. Já Milton, nem tanto, o que não deixa de ser interessante. As frases dele são demasiado compridas.
Wendy Cope: “They also serve who only stand and wait”?
Lachlan Mackinnon: Sim, sobre esse verso já podemos falar. Está num soneto. [Risos.] Podia passar aqui a manhã a conversar, mas infelizmente tenho trabalho pela frente.
JF: A Wendy recorre a um grande número de formas poéticas. Tenta dominá-las todas?
Wendy Cope: Bem, há algumas que domino. Às vezes ocorre-me que devia fazer experiências com mais formas. O meu último livro tem tantos sonetos simplesmente porque gosto de escrever sonetos. Acho que isso faz sentido. Mas, por outro lado, ocasionalmente lembro-me de alguém como Kipling, que semi-inventou as suas próprias formas, e ocorre-me se não deveria por vezes ser mais imaginativa. Não é preciso limitarmo-nos às formas que existem, podemos criar as nossas próprias formas.
JF: Sei que não gosta da distinção entre poesia ligeira (“light verse”) e poesia séria.
Não gosto da expressão “poesia ligeira” (“light verse”), porque não é evidente o que significa. Existem definições diferentes de poesia ligeira, mas, hoje em dia, este termo é usado como um insulto que sugere que, se a tua poesia contém algum elemento humorístico, és uma escritora de segunda ou terceira categoria. E isto é uma coisa que me incomoda imenso. Acho que há qualquer coisa que podemos descrever usando a expressão “poesia ligeira” (“light verse”), ou seja, poesia feita apenas com um intuito lúdico ou para entreter. Já escrevi alguns poemas deste tipo. Mas também acho que um poema com elementos humorísticos pode ter gravidade emocional e importância, e não deve ser desterrado para o campo da poesia ligeira só por ter qualquer coisa de engraçado. Fico muito arreliada com isto.
JF: Editou duas antologias, uma de poemas humorísticos e uma de poemas felizes. A Wendy parece rejeitar uma ideia de poesia ligeira e aparentemente está a reunir uma nova família de autores, que anda a agrupar de uma nova forma.
Bem, quem me pediu que juntasse os poemas humorísticos foi o meu editor. O Happy Poemsfoi ideia minha. Conhece a expressão “a felicidade escreve a branco numa página branca”? Se eu tivesse uma libra por cada vez que eu ouvi essa frase... que evidentemente não faz o mínimo sentido. Os narcisos de Wordsworth [‘I Wandered Lonely as a Cloud’], provavelmente o poema mais conhecido da língua inglesa, são um poema feliz. Não é difícil pensar num grande número de outros poemas felizes para refutarmos essa ideia de que os poemas felizes simplesmente não são bons. Mas no grupo dos poemas felizes não há muitos poemas humorísticos. Eu limito-me a escolher poemas felizes de que gosto, mas ser feliz e ser engraçado são duas coisas diferentes. E muitos dos poemas humorísticos são muito tristes.
JF: Será que chamar-lhes humorísticos…
Bom, nunca os designaria por poemas ligeiros.
JF: De todo, em especial porque muitos não se inscrevem naquilo que se considera ser poesia ligeira (“light verse”).
Bem, não podia ser de outro modo, porque não sei o que é poesia ligeira (“light verse”). Sabe, uma vez pediram-me que editasse uma antologia de poesia ligeira (“light verse”) para a Faber e eu disse que não. Não queria ter a mínima relação com esse projecto. Nesse tempo, a Faber era gerida por um editor muito mandão e eu sabia que ele me ia dizer o que devia ser incluído na antologia, pelo que simplesmente disse que não o faria. Mas, quando compilei os poemas humorísticos, esse editor já tinha saído, por isso aceitei, desde que os poemas fossem engraçados ou bem-humorados. Mas qual foi o título que dei ao livro? Deixe-me ir ver. The Funny Side!
JF: Há uma terceira antologia a ser pensada?
Provavelmente não. Mas ainda me pode ocorrer uma ideia. Já pensei que seria interessante fazer uma antologia de poemas inteligíveis.
JF: Bem, já deu aulas a crianças. Há alguma forma de tornar a poesia inteligível? De ensinar poesia?
Sim, na minha opinião basta lermos poesia às crianças. Exactamente como lemos histórias. De vez em quando, digo-lhes: no final tenho uma pergunta para vocês, o que lhes faz prestar atenção, porque sabem que vem aí uma pergunta. Mas deve-se ler às crianças poemas rimados e não rimados, poemas recentes e antigos, e é preciso que haja livros de poesia na sala de aula, para que elas possam ir buscá-los de livre vontade. Percebi que, quando lhes lemos poemas, às vezes as crianças perguntam: “Posso escrever um poema?”, e essa é a melhor maneira de isto acontecer. Quando era uma professora muito jovem, apareceu na escola um inspector e eu perguntei-lhe como é que se explica a crianças de 9 anos a diferença entre prosa e poesia. “Boa questão.”, disse ele, “Acho que não tenho resposta.” É uma questão difícil para toda a gente. A certo ponto percebi que simplesmente lhes lemos poemas e que elas percebem a ideia. Não é preciso grandes teorias.
JF: Leu-lhes poesia para crianças?
Quase na totalidade, sim. Há poesia para crianças contemporânea de grande qualidade. A poesia para crianças antiga era péssima. Também fiz uma recolha de poemas humorísticos para crianças. Muito diligente, fui à Biblioteca Britânica pesquisar poesia antiga para crianças, apenas para descobrir que, quase integralmente, era péssima, muito moralizante. À excepção de autores como Lewis Carroll, já sobejamente conhecido. Mas, a partir da década de 1960, temos um poeta chamado Michael Rosen – os poetas tratam-no com alguma sobranceria, mas ele escreve poemas maravilhosos para crianças. Os poemas dele tratam de experiências corriqueiras, e o Michael faz visitas às escolas e é fantástico com as crianças. E o Kit Wright, que já escreveu poemas óptimos para crianças e adultos. Na verdade, ele é muito bom com os dois tipos de poesia, consegue ser muito engraçado e muito triste com igual frequência. E o Roger McGough. Mas também lhes li Walter de la Mare. Não gosto tanto do Robert Louis Stevenson; tenho uma amiga que ensina poesia infantil em Cambridge e ela adora o Robert Louis Stevenson, mas eu não posso dizer o mesmo.
JF: Porquê?
Não sei… A Child’s Garden of Verses. Nunca me entusiasmou.
JF: As crianças decoravam os poemas?
Nunca obrigaria uma criança a decorar um poema. Acho que isso as desmotiva. Acho que é boa ideia encorajá-las se isso for algo que queiram fazer, porque decorar poesia é muito bom, mas, se as forçarmos, isso só as vai desmotivar. E há pessoas que têm muito mais facilidade do que outras, e aquelas para quem memorizar é mais difícil vão acabar por ganhar ódio à poesia.
JF: Sabe poemas de cor?
Sim.
JF: Quais são?
Recito-os para mim quando vou ao dentista e preciso de ter a cabeça ocupada. Um par de sonetos de Shakespeare, um punhado de poemas do Housman, um ou dois da Emily Dickinson. É muito bom termos alguns poemas na memória, dá imenso jeito.
JF: Há pouco tempo doou os seus cadernos à Biblioteca Britânica.
Foram vendidos. Vendi-os.
JF: Ah, como fez Ogden Nash.
Aposto que ele recebeu mais dinheiro do que eu. Acho que me deviam ter dado mais dinheiro.
JF: Ele queixou-se do negócio que fez. Acho que não foi muito bom…
Ele também se queixou? Olhe, eu também. Tínhamos de comprar uma casa e foi por isso que vendi o meu arquivo à Biblioteca Britânica. Mas devia ter recebido mais dinheiro e fui obrigada a incluir algumas coisas que não queria vender. Não fiquei muito contente.
JF: Não estava a pensar na posteridade.
Bom, não. Quero dizer, para além do dinheiro havia esta tralha toda e estávamos prestes a mudar-nos para uma casa nova. Tinha de me ver livre das coisas e não queria deitá-las fora. Acho que parte da razão por que eles quiseram comprar o arquivo foi o facto de incluir cartas de pessoas famosas. Não sei se estavam muito interessados em mim.
JF: Não terá sido esse o caso...
O interessante é que estão lá todos os meus cadernos. É possível ver como os poemas começaram, isso pode ter interesse para alguém no futuro. Desde que consigam entender a minha letra.
JF: É assim tão difícil?
Bom, às vezes é. Já perdi estrofes inteiras porque não conseguia perceber o que estava lá escrito. Isto porque escrevo a lápis. Sinto-me mais à vontade se o texto for pouco legível. Escrevo a lápis e por vezes nem eu consigo ler o que escrevi, o que é muito irritante.
JF: Há uma idade para se começar a escrever poesia? A Wendy começou…
Eu comecei muito tarde. Há uma tradição... a Fleur [Adcock] interessa-se muito por este assunto; há uma tradição de as mulheres começarem a escrever mais tarde, de publicarem os seus primeiros livros bastante tarde. Na verdade não foi o caso com ela, ela começou a publicar muito nova, mas já falámos sobre isso. Acho que tem a ver com a confiança que resulta de sermos capazes de ser nós mesmas, de encontrarmos a nossa voz, é mais difícil para as mulheres encontrarem-se. Mas agora mudou tudo. Havia uma tendência para os poetas homens começarem as suas carreiras muito jovens; as mulheres começavam mais tarde, percebiam de súbito que queriam escrever e concluíam que por várias razões não o tinham feito.
JF: Será que isso estava de alguma forma relacionado com a vergonha?
Sim, aí está outro mistério… Quando comecei a publicar livros, só uma muito pequena minoria dos poetas publicados era composta por mulheres. O mesmo não pode ser dito dos romances. Quando comecei a publicar diria que cerca de cinquenta por cento dos romancistas publicados era por mulheres; um número muito maior de mulheres (no passado) tinha firmado a sua reputação como romancistas. Perguntei porquê a uma mulher – uma académica minha amiga – e ela acha que tem que ver com a vergonha. A poesia é mais pessoal, é capaz de ter alguma coisa que ver com isso. Claro que também é difícil para as romancistas. As irmãs Brontë tiveram de fingir ser outras pessoas.
JF: Ficou contente com este último livro?
Sim, fiquei. Suponho que os escritores gostem sempre de pensar que o seu melhor livro é o último que escreveram, mas este não é tão popular ou engraçado como o meu segundo livro, Serious Concerns, onde estão todos aqueles poemas sobre homens. Hoje em dia já não tenho tanta piada, provavelmente porque sou mais feliz. Claro que há muito material sobre a velhice e a morte, pelo que talvez os jovens não se identifiquem tanto com os poemas, mas eu estou contente com o livro.
JF: Pergunta final: tem um poema favorito? Um poema que possamos citar e mostrar aos nossos leitores?
FLOWERS
Some men never think of it.
You did. You’d come along
And say you’d nearly brought me flowers
But something had gone wrong.
The shop was closed. Or you had doubts –
The sort that minds like ours
Dream up incessantly. You thought
I might not want your flowers.
It made me smile and hug you then.
Now I can only smile.
But, look, the flowers you nearly brought
Have lasted all this while.
FLORES
Alguns homens nunca se lembram disso.
Tu sim. Vinhas ter comigo
E dizias que quase me tinhas comprado flores
Mas alguma coisa tinha corrido mal.
A loja estava fechada. Ou tinhas tido dúvidas –
Dessas que mentes como as nossas
Não param de inventar. Ocorreu-te
Que eu talvez não quisesse as tuas flores.
Nesse momento tive de sorrir e de te abraçar.
Agora só posso sorrir.
Mas, olha, as flores que quase compraste
Duraram este tempo todo.
Tradução da entrevista e do poema: João Brandão