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Telmo Rodrigues

Número Especial

Telmo Rodrigues

Nuno Amado

Ler, e pensar sobre, um poema é muitas vezes um acto de diversão, parecido com a descrição que Sherlock Holmes faz depois de ter resolvido o caso que tem em mãos em “A Liga dos Ruivos”: “‘Salvou-me do ennui,’ respondeu, a bocejar. ‘Infelizmente, já o sinto a chegar. A minha vida é passada num esforço contínuo para escapar aos lugares-comuns da vida. Estes pequenos problemas ajudam-me a fazê-lo.’” Em grande medida, a actividade de lidar com poemas é abrangida por esta descrição; tem, no entanto, um problema: toma os poemas como puzzles, adivinhas que, depois de resolvidas, perdem o interesse ou deixam de ter qualquer outro propósito. A analogia entre casos e poemas torna-se, assim, imperfeita.

Apesar disso, as actividades de Sherlock no que respeita aos seus casos são muito parecidas com as actividades que se seguem de eu ler poemas. Penso que a atitude blasé de Sherlock, incluindo os bocejos, são uma encenação para nos fazer crer que a resolução do caso é óbvia para quem tiver o cuidado de prestar atenção (uma atitude típica de Sherlock e de críticos literários). Sherlock está a mentir e penso que a mentira, assim que explicada, permitirá que a analogia entre casos e poemas possa ser defendida.

Em primeiro lugar, ao ouvir o caso, Sherlock diz: “Por regra, depois de perceber para onde apontam os acontecimentos, sou capaz de me orientar por entre milhares de outros casos semelhantes que me vêm à cabeça.” Ao ler um poema, qualquer pessoa fará exactamente a mesma coisa, identificando semelhanças e diferenças entre o poema acabado de ler e outros já lidos. Na maioria das vezes, passo pelos poemas sem reparar em nada de especial (embora às vezes note imediatamente anomalias: “Daquilo que já ouvi, é impossível dizer se este caso corresponde a um crime ou não, mas o encadear de acontecimentos está claramente entre os mais peculiares que já ouvi.”). De poemas retenho informações, às vezes reparo em pormenores que parecem incongruências, que não encaixam naquilo que os rodeia, ou então fico só a pensar sobre a dificuldade em perceber o poema ou versos específicos. Estes problemas ocupam-me a cabeça durante as minhas actividades diárias.

É por isso que acho que a actividade de ler um poema, e tudo o que isso acarreta, é mais fácil de compreender se atentarmos na descrição que o Dr. Watson faz de Sherlock a ouvir música alemã, nessa mesma história: “O meu companheiro era um músico entusiasta, sendo ele próprio não só um intérprete extremamente capaz, como também um compositor acima da média. Permaneceu sentado a tarde toda nos bancos, envolto na mais perfeita felicidade, suavemente movendo os seus dedos longos e finos ao ritmo da música, ao mesmo tempo que a sua cara sorridente e os seus olhos lânguidos e sonhadores de maneira alguma se comparavam aos do Holmes detective, aos do Holmes agente do crime implacável, perspicaz, e precavido.”

Esta descrição ocorre no dia em que Sherlock ouve o estranho caso da Liga dos Ruivos. Enquanto o putativo cliente conta a sua história, os problemas são todos deslindados na cabeça de Sherlock e, para resolver as pontas soltas do caso, este decide que precisa de se deslocar aos locais onde se deram os acontecimentos. Há um concerto no St. James Hall com um “programa” composto por “muita” música alemã, a sua favorita (“mais ao meu gosto do que a italiana ou a francesa. É meditativa e eu quero meditar”), e portanto Sherlock e o Dr. Watson saem de Baker Street para ir ao concerto; en route (um pormenor crucial), passam pela loja de penhores do seu cliente. Tendo aí observado aquilo que pretendia, Sherlock está convicto de ter solucionado o caso e segue para o concerto onde o Dr. Watson o descreve como acima transcrito. A descrição refere-se não só ao prazer de Sherlock a ouvir a música, mas também ao prazer de ter resolvido outro caso; o prazer também se relaciona com as considerações de Sherlock sobre como proceder agora que o caso está resolvido, isto é, como aplicar as informações sobre o caso à vida real de forma a apanhar o criminoso — “o quarto homem mais inteligente de Londres”, provavelmente com “aspirações ao terceiro lugar”. (Para além de resolver crimes, um dos seus prazeres é lidar com os pares — os seus são aqueles intelectualmente acima da média, mas para o leitor de um poema pode ser só alguém com quem se partilhe ideias.) A mentira de Sherlock consiste em fazer crer que a sua actividade é somente intelectual, relativa à resolução de enigmas; para Sherlock, um caso é motivo para as mais diversas actividades, incluindo ver concertos onde medita sobre os seus casos.

Ler e pensar sobre poemas é parecido com isto: muitas vezes é uma forma de escapar aos lugares-comuns da vida e um pretexto para lidar com pessoas com preocupações semelhantes às nossas; na maior parte das vezes, é uma desculpa para sair de casa e ir a um concerto de música alemã.

 

Telmo Rodrigues


Telmo Rodrigues é doutorado pelo Programa em Teoria da Literatura da Faculdade de Letras, com a tese For a Lark: The Poetry of Songs, na qual explora as relações entre a música popular e a poesia. É actualmente director da revista Forma de Vida.