Nove Sílabas Identificam Sylvia: Ler ‘Metaphors’ de Plath, Harryette Mullen
Maria S. Mendes
Nove Sílabas Identificam Sylvia
Ler ‘Metaphors’ de Plath
METAPHORS
I’m a riddle in nine syllables,
An elephant, a ponderous house,
A melon strolling on two tendrils.
O red fruit, ivory, fine timbers!
This loaf ’s big with its yeasty rising.
Money’s new-minted in this fat purse.
I’m a means, a stage, a cow in calf.
I’ve eaten a bag of green apples,
Boarded a train there’s no getting off.
Sylvia Plath, Crossing the Water
O poema “Metaphors” de Sylvia Plath está repleto de metáforas diferentes: uma por verso, por vezes duas ou três. Porém, são todas poeticamente equivalentes, referindo-se ao mesmo estado de gravidez, que nunca é nomeado. A poetisa condensou símiles em metáforas de modo que comparações convencionais (“I’m as heavy as an elephant. I’m as big as a house. My belly looks like I’ve swallowed a watermelon”) se convertem em metáforas representando uma enormidade que é, ao mesmo tempo, pesada e ridícula (“I’m . . . an elephant . . . a ponderous house . . . a melon.”) Estas metáforas geram então as sinédoques do marfim, das vigas, do fruto vermelho, que indicam o desmantelamento, a destruição ou o mercantilismo do elefante, da casa e da melancia metafóricos. Metáforas subsequentes exprimem sentimentos contraditórios de orgulho, amor-próprio, domesticidade, transformação radical, doença, antecipação, ansiedade, compromisso e resignação. O título do poema também pode estar ligado à gravidez, funcionando como um trocadilho subliminar que se baseia na origem etimológica da palavra “metáfora” (transportar; transferir): meta, que significa “envolvido na mudança”, e pherein, que significa “carregar”. Este trocadilho, metáfora / gravidez, além dos tropos tradicionais do artista como o que cria e do poeta como o que faz, poderia sugerir que o primeiro verso resultaria dos jogos e das charadas em que se adivinham palavras e que dependem da literacia alfabética e literária dos jogadores.
“Metaphors” não é, tecnicamente, uma charada, apesar de incorporar o tipo de desafio inaugural que assinala um jogo de palavras: “I’m a riddle in nine syllables.” As charadas requerem jogadores que possam resolver um tipo de enigma no qual cada sílaba da palavra pode ser adivinhada e, ocasionalmente, a própria palavra, a partir de uma representação gestual. Em geral, um dos jogadores dá pistas que têm por base a divisão de palavras ou frases em unidades mais pequenas de palavras, sílabas ou letras: “A minha primeira [sílaba] veste a minha segunda”; ou “Eu sou uma palavra com doze letras.” Por implicar uma associação de palavras, sílabas e letras com números, a charada tem um lado criptográfico que a liga a códigos, cifras e enigmas que substituem algarismos por letras, bem como à antiga tradição das adivinhas.
O poema de Plath partilha algumas características que são comuns a outros enigmas de tipo criptográfico. Invoca jogos de palavras de antigos encantamentos rituais, bruxarias e feitiços de todas as culturas. Em muitas histórias tradicionais, resolver um enigma é um teste crucial ao engenho de um herói, tendo, muitas vezes, consequências de vida ou de morte. Estes heróis tradicionais têm sido, acima de tudo, homens. Um bom exemplo é Édipo, cuja solução para o enigma da esfinge era “homem”, no sentido de “humanidade”. No poema de Plath, no entanto, é a poetisa que, ao colocar e incorporar o seu próprio enigma, é simultaneamente protagonista e esfinge. O trocadilho subliminar com sustentar ou carregar sugere que existem correspondências mágicas entre poesia e gravidez. O título de Plath, “Metaphors”, e a palavra oculta “pregnancy” (que nomeia a condição da poetisa e que é a solução para o enigma do poema) contêm ambas nove letras. O poema é moldado tanto formal como conceptualmente em torno do número “mágico” nove (meses, letras, sílabas, versos), tal como as metáforas do poema são referências figurativas à gravidez. As metáforas misteriosas seguem a convenção educada segundo a qual se discute a gravidez de forma indirecta, através de perífrases e eufemismos.
As metáforas de Plath podem aplicar-se tanto ao seu poema como a si própria enquanto poetisa grávida; uma poetisa com a cabeça cheia de ideias criativas. Apesar da sua forma lúdica, o conteúdo do poema exprime emoções divergentes relativas ao estado de gravidez literal, figurado e previsto. A ansiedade estende-se aos papéis divergentes de recipiente e criador, adivinha e fazedor de adivinhas, habitada por uma mulher grávida ou por uma artista inspirada. Aqui, o pronunciamento convencional com que a charada começa oferece uma chave que sugere uma relação analógica na qual a poetisa é o teor e o poema, com as suas metáforas enigmáticas, o veículo. O número nove – que se refere às letras do título, aos versos do poema, às sílabas de cada verso e aos meses necessários para uma gravidez chegar ao fim do termo – estabelece uma ligação entre elementos formais e linguísticos do poema e da biografia da poetisa.
Apesar de Plath só ter engravidado algum tempo depois de ter escrito “Metaphors”, este poema marca um momento em que ela tinha tentado, sem sucesso, conceber uma criança, salientando assim a associação do poema-adivinha com propriedades “mágicas”. “Metaphors” poderá ter servido de equivalente poético de uma gravidez esperada ou como feitiço para concretizar o resultado desejado. Deste modo, o poema poderia ser lido não apenas como uma fantasia onírica da concretização de um desejo, mas também como uma criação que comprova a imaginação fértil da poetisa. Apesar de não estar, literalmente, “à espera de bebé” quando o poema é escrito, Plath parece insistir que está, contudo, grávida de poesia. O formato de adivinha é apropriado para a expressão da estranheza da gravidez, bem como do medo que a poetisa sente do território desconhecido em que está prestes a entrar. A solução indefinida para a adivinha também poderá corresponder à frustração que uma mulher sente quando, depois de ter tentado conceber, a gravidez (simultaneamente desejada e temida) não se materializa.
Aquilo a que A. J. Greimas chamaria a “complexa isotopia negativa” do poema (quando o veículo parece mais real ou mais presente no poema do que o teor) poderia corresponder à experiência de uma mulher grávida alienada de si própria, enquanto o seu corpo atravessa uma transformação fisiológica. O enigma oculto da adivinha corresponde a um “eu” disfarçado ou escondido no interior de um corpo alterado, que se torna cada vez mais estranho. O facto de ambas as “figuras” continuarem a mudar poderá ser visto como outro trocadilho subliminar no poema, o qual mais uma vez relaciona a metáfora, a figura de estilo, com o corpo em mutação da poetisa. O quebra-cabeças da adivinha, a sua manipulação do código linguístico, pode também estar associado ao segredo da vida concebida no interior do corpo, à capacidade que as criaturas vivas têm para se reproduzir através da replicação do seu código genético.
Apesar de o poema de Plath não fazer uso de qualquer entrave desconcertante, assemelha-se a adivinhas tradicionais, uma vez que isola e descontextualiza a metáfora e o seu veículo, ao ponto de o teor ou referente literal permanecer latente, um quebra-cabeças a ser resolvido. O teor é representado apenas pelo pronome pessoal “I”, que se refere explicitamente aos veículos da metáfora (elefante, casa, melão etc.) ou ao próprio poema; uma adivinha composta por nove versos de nove sílabas cada. Porém, o leitor está ciente de que tanto lógica como implicitamente “I” se refere à poetisa enquanto teor de todas as metáforas deste poema.
O número nove e o pronome da primeira pessoa “I” são os parcos meios através dos quais o poema faz equivaler uma isotopia à outra. Deste modo, o poema e Plath, tal como a charada enquanto jogo de palavras, permite que o sentido do poema, ou a solução para o quebra-cabeças que coloca perante o leitor, accione as unidades mínimas de sentido, num código linguístico ou numérico: uma única letra e um único dígito. (Por coincidência, “I” é também a representação romana do algarismo um, o que faz com que a relação entre um e nove sugira uma passagem da singularidade à multiplicidade, à medida que a poetisa e as suas metáforas avançam e se multiplicam.) “I’m a riddle in nine syllables” incorpora a linguagem da charada, fazendo equivaler “I” e “riddle”, enquanto associa cada um ao número nove.
O poema de Plath pode constituir um desafio e uma tarefa gratificante numa aula de literatura ou de escrita criativa. Por vezes peço aos meus alunos para escreverem uma análise breve do poema, na qual analisem as suas propriedades formais e a relação entre elas e o significado do poema. Além de questões mais óbvias, sugiro que considerem a relação que existe entre metáforas e adivinhas, charadas ou jogos de palavras. Também lhes peço que escrevam poemas seus, usando o “Metaphors” de Plath como modelo. Interessantemente, alguns alunos que escrevem análises formais brilhantes do poema de Plath são incapazes de decifrar a adivinha. Outros conseguem chegar à solução da adivinha de imediato, mas têm dificuldade em escrever uma crítica ao poema. Em geral, as mulheres da turma têm uma maior probabilidade de solucionar a adivinha do que os homens. Quando entrego os trabalhos, discutimos os resultados e eu partilho a minha resposta ao exercício, incluindo poemas que imitaram o de Plath ou o usaram como modelo e que, com fins pedagógicos, descrevem o seu significado, ao mesmo tempo que resolvem a adivinha de Plath.
NINE SYLLABLES LABEL SYLVIA
Poet Sylvia Plath is pregnant.
Sylvia’s pregnant with her poem.
Pregnancy is only nine letters.
Syllable, a metaphor for month?
Sylvia’s nine pregnant syllables!
Pregnant: creative and inventive.
Poet and her poem, both pregnant.
Pregnant means filled and charged with meaning.
Sylvia is a pregnant poem.
SYLVIA’S STILL ON THE SYLLABUS
Of riddles, metaphors, conundrums.
Metaphor makes things equivalent:
Units of language, units of time.
She goes unnamed through periphrasis,
Metaphor and circumlocution;
Fashions cute euphemistic riddles,
Then leaves us to guess her syllables.
Sylvia’s still a big enigma.
Ao afirmarem explicitamente o que permanece implícito em “Metaphors”, as minhas imitações reconstituem a realidade do teor: Sylvia Plath, poetisa grávida. Claro que uma das formas óbvias através das quais eu me separo da gramática do poema de Plath é o meu uso da terceira pessoa e não da primeira, o que altera, assim, o contexto retórico, deixando de haver um “I” ambíguo que pode corresponder tanto à poetisa como ao seu poema. As minhas imitações respondem ao retrato que a poetisa faz de si própria e do seu poema enquanto enigmas. Embora sigam Plath noutras características formais, os meus poemas não saltam de metáfora em metáfora, de verso em verso; em vez disso, reconheço a equivalência implícita que existe entre metáforas e gravidez, entre poema e poetisa, entre criação e procriação. Os meus poemas, tendo o dela por modelo, tecem um comentário ao seu uso de logogrifos, mas as minhas imitações não são estruturadas, em termos linguísticos, sob a forma de adivinhas.
Uma das convenções das adivinhas diz-nos que os objectos podem “falar” na primeira pessoa usando metáforas que descrevem o objecto, ao mesmo tempo que obscurecem a sua identidade. O efeito inibidor de tais metáforas – ou as pistas da adivinha – foi chamado de obstrução ou “elemento de bloqueio”. Uma adivinha tradicional bloqueia ou atrasa a sua solução confundindo-nos com metáforas contraditórias e isotopias incompatíveis. A obstrução não previne em absoluto, mas atrasa a chegada à solução definitiva. Nas adivinhas tradicionais, a obscuridade pode resultar de uma descrição antropomórfica de um objecto inanimado ou vice-versa, tal como quando a oradora grávida de Plath se compara com uma carteira, uma melancia ou uma casa. A obscuridade também ocorre quando a descrição enigmática é uma série de comparações que colidem ou parecem literalmente incoerentes, apesar de acumularem coerência em sentido figurado, como acontece em “Metaphors”. A mistura de metáforas descritivas começa por gerar confusão, mas, retrospectivamente, assim que se chega à solução, as pistas tornam-se inteligíveis enquanto comparações figurativas.
A dificuldade de uma adivinha depende das pistas bizarras e obscuras que dá. Na charada a própria palavra “fala”, dando pistas para adivinharmos as partes que a constituem. O que nos intriga é que a charada baralhe as relações entre significante e significado. Nas adivinhas e nas charadas, a substituição do pronome pelo nome permite que o nome não nomeado fale de si próprio. A poetisa grávida surge apenas enquanto metáfora: obscurecida, mas presente de forma latente, tal como no pronome pessoal da primeira pessoa. Se o poema é uma adivinha ou uma charada, podem ser o poema ou os seus objectos a falar, em vez de (ou bem como) a própria poetisa. “I am a riddle in nine syllables” é uma descrição literal de casa verso metafórico do poema, além de uma descrição metafórica de uma poetisa que está literalmente grávida.
Quero concluir referindo-me directamente ao conflito explícito do poema, conflito esse que é enfatizado pelas convenções linguísticas das adivinhas, jogos e quebra-cabeças: nomear versusnão-nomear. O texto de Plath é uma série perifrástica de metáforas de gravidez que resulta num poema-adivinha que não bloqueia a capacidade que o leitor tem para resolver o quebra-cabeças e, em vez disso, aponta para a ambivalência da poetisa acerca da gravidez, numa altura em que se esperava que as mulheres fossem mães e se desencorajavam carreiras como poetisas ou qualquer outra coisa. Hoje em dia, os poemas escritos por mulheres sobre a gravidez podem ser muitos, mas quando Plath escreveu “Metaphors” a ideia de uma poetisa grávida deve ter parecido bem mais estranha do que parece hoje. Talvez tenha sido uma metáfora poderosa para a criatividade de poetas homens que nunca estariam literalmente grávidos nem carregariam crianças reais. Para uma poetisa mulher, era quase inconcebível.
Tradução de Maria Rita Furtado