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Poemas de agora

Filtering by Tag: Maria Sequeira Mendes

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Maria S. Mendes

“Here is Mummy. She has baked a bun. / Here is the milkman. He has come to call. /Here is Peter. Here is Jane. They like fun”. Neste ponto, a mãe manda embora as duas crianças – “Go Peter! Go Jane!” – para deixar entrar o leiteiro, surgindo assim a possibilidade de o verso “She has baked a bun” não se referir a um bolo, mas sim ao resultado da relação da mãe com o leiteiro. “He has come to call” e “Come, milkman, come!”, têm um sentido sexual explícito, que se torna ainda mais claro, quer pela exclamação, quer pela repetição do verbo. Neste ponto, ficamos a saber que, naturalmente, o leiteiro gosta da mãe e que a mãe gosta de todos eles, o que pode indicar que tem estima pelas duas crianças e pelo leiteiro, mas também que o leiteiro não é, ou poderá não ter sido, o único homem com quem a mãe se relacionou.

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Ectopia

Maria S. Mendes

 

Ectopia

 

A stout bomb wrapped with a bow. With wear, you tear. It’s true you sour or rust. Some of us were sure you’re in a rut. We bore your somber rub and storm. You were true, but you rust. On our tour out, we tore, we two. You were to trust in us, and we in you. Terribly, you tear. You tear us. You tell us you’re true. Are you sure? Most of you bow to the mob. Strut with worms, strew your woe. So store your tears, tout your worst. Be a brute, if you must. You tear us most terribly. To the tomb, we rue our rust and rot. You tear. You wear us out. You try your best, but we’re bust. You tear out of us. We tear from stem to stem. You trouble, you butter me most. You tear, but you tell us, trust us to suture you.

 

Harryette Mullen, “Ectopia”, Sleeping with the Dictionary. Berkeley: University of California Press, 2010. 

© 2010 by the Regents of the University of California. Published by the University of California Press.

 

 

Gosto deste poema porque me enganou não uma, mas duas vezes. Inicialmente, pensei que nele se caracterizava uma relação que se desfez, talvez, depois de uma traição. Assim o pareciam indicar versos como “some of us were sure you’re in a rut”, no qual “rut” tem a conotação sexual de copular, ou de se estar excitado sexualmente. Também versos como “You tear us. You tell us you’re true. Are you sure?” poderiam ser lidos como ilustrando alguém que, apesar das suas promessas, destrói a relação em que se encontra.

Esta explicação não parecia, todavia, ser totalmente persuasiva, sobretudo quando se relê o primeiro verso “A stout bomb wrapped with a bow”. Não fazia sentido que tal notícia de traição fosse enrolada por um laço (uma imagem que aponta para uma prenda ou para algo bom). Talvez, repensei, o poema descrevesse a ideia de que a linguagem por vezes nos atraiçoa. Versos como “You were to trust in us, and we in you. Terribly, you tear. You tear us.” ilustrariam as dificuldades de uma poetisa que, de certa forma, depende da linguagem, precisando de confiar nela para conseguir descrever imagens num poema, pelo que “tear” (rasgar) se poderia referir à distância que existe entre as palavras e aquilo que delas conseguimos fazer.

Ambas as leituras ignoram, contudo, o título do poema no qual, como se estivéssemos perante uma adivinha, se esconde a sua explicação. “Ectopia” aponta para uma gravidez ectópica, um caso em que o óvulo fertilizado não se desenvolve no útero, mas sim nas trompas ou na cavidade abdominal. Este tipo de gravidez precisa de ser tratado de emergência, sendo necessário pôr-lhe fim. Percebe-se assim que o primeiro verso descreva um laço (uma prenda, a gravidez), que esconde uma bomba (a necessidade de a interromper). Segue-se o verso “With wear, you tear” que alude à possibilidade de, se a gravidez continuar, poder romper o tubo uterino. Segundo o OED, a palavra “rut” indica igualmente “to beget a child” (ter uma criança), o que, juntamente com o verbo "bore" ("to bear") ajuda a provar a leitura deste poema. No verso “We bore your somber rub and storm” “somber rub” ilustra duas coisas que se movem uma contra a outra causando uma certa fricção (a mãe e o embrião em conflito, ou talvez a mãe que massaja a barriga durante aquilo que provou ser uma tempestade e uma situação sombria).

Assim, “on our tour out, we tore, we two” pode indicar a ruptura das trompas do falópio ou um aborto prematuro. Nesse verso tão bonito, “we” e “we two” são repetidos, apontando-se para a existência conjunta da mãe e da criança, quando “terribly, you tear”. A aliteração obsessiva em “two”, “terribly” e “tear” acentua esta imagem, ainda sublinhada por “trust” (mãe e feto deviam confiar um no outro, pois existiam como uma única entidade, mas são separados quando o embrião se desfaz). No final do poema, a mulher pede assim ao embrião que não manifeste a sua infelicidade (“strew your woe”), que guarde as lágrimas, bem pode fazer o seu pior e ser um bruto, mas está a levá-los até à sepultura (nova aliteração em “tomb”), onde ambos apodrecerão.

A palavra “ectopia” deriva do Grego ektopos, e indica algo longe ou fora do seu sítio, sendo recuperada neste poema extraordinário para caracterizar a conversa entre uma mãe e o seu bebé, que não é só a ilustração de uma gravidez ectópica, mas também a utopia do embrião de que tudo poderia correr bem, de que por um momento poderiam não ser separados um do outro, e as breves respostas da mãe, que usam frases curtas para explicar aquilo que não deveria nunca precisar de ser explicado.

Maria Sequeira Mendes


Maria Sequeira Mendes é professora na FLUL e colabora com o Teatro Cão Solteiro.

Humbles

Maria S. Mendes

 

Humbles

 

If you have hit a deer on the road at dusk;

climbed, shivering, out of the car

with curses to investigate the damage

done, and found it split apart and steaming

far-flung in the nettle-bed, utterly beyond repair

then you have seen what is not meant to be seen

is packed in cannily, coiled, like parachute silk

but unputbackable, out for the world to witness

the looping, slicked-up clockspring

flesh’s pink, mauve, arterial red,

and there a still pulsing web of royal veins

bearing the bad news back to the heart;

something broken, something hard, black,

the burst bowel fouling the meat

exposed for what it is, found out – as Judas,

ripped from groin to gizzard, was found

at dawn, on the elder tree, still tethered to earth

by all the ropes and anchors of his life.

 

Frances Leviston, “Humbles”, Public Dream. London: Picador, 2007.

© Frances Leviston.

Frances Leviston's Poetry 

 

Gosto deste poema e do modo como se apresenta numa longa e complexa frase, que pode ser considerada uma lição sobre como não se deve interpretar poesia. “Humbles” começa por se dirigir a quem atropelou um veado na estrada ao fim do dia e sabe que viu aquilo que não deveria ter sido visto, conhecendo a sensação de quem sai do carro para averiguar se existem danos e se apercebe de que “o que está feito não pode ser desfeito” (Macbeth, V, i, 63-4).

Parece existir preocupação com o veado, mas a linguagem usada no poema é mecânica, como se pode observar pelo uso de expressões como “apart and steaming”, “utterly beyond repair”, “slicked-up clockspring” (que se pode aplicar a um relógio, mas também aos componentes do motor de um carro), o que nos leva a duvidar sobre se a pessoa no poema estará mais preocupada com o veado, com o carro ou com ambos.

Seguem-se imagens de coisas “incolocáveis” que têm, no entanto, uma importante diferença entre si: desmontar a seda de um pára-quedas ou um relógio não causa necessariamente a culpa moral que aqui se associa à morte de um veado (pelo menos, assim o faz parecer o uso da adversativa no verso “like parachute silk, but unputbackable”).

Num momento de pausa, a observadora vê o tempo que leva até o sangue parar de pulsar nas veias do veado e que corresponde ao intervalo necessário para que as más notícias cheguem ao coração (“bad news back to the heart”). Neste momento, tudo muda e não pode ser remediado, “something broken, something hard, black”, “exposed for what it is”. O que se encontra à mostra para o mundo testemunhar exterioriza aquilo que geralmente se esconde e que pode agora ser compreendido pelo que realmente é, levando o poema até à imagem inesperada de Judas, cujas entranhas descobertas expõem o seu crime.

À semelhança do que sucede neste episódio, um texto de crítica literária pode ambicionar revelar aquilo que se esconde – a técnica formal do poema que, quando revelada, não pode voltar a ser encoberta. Poder-se-ia, por exemplo, descrever o uso extraordinário da rima interna e da aliteração no poema de Leviston, em versos como “black / the burst bowel”, “from groin to gizzard”, “packed in cannily, coiled”. Ou o modo virtuoso como o poema é pontuado e que parece ter o propósito de colocar o leitor numa situação parecida à da pessoa que sai do carro e observa o veado, ou de quem pára para ver Judas e precisa de fazer uma pausa para dar um sentido ao que está a acontecer. Contudo, dissecar os órgãos internos de um poema, interpretá-lo para o decifrar, afecta irremediavelmente o seu sentido, tornando-o “incolocável” (“unputbackable”). O título do poema nomeia assim o exercício de tornar o leitor humilde (“umbles” designa as entranhas de um veado, enquanto “humbles” aponta para o modo como Judas é aqui duplamente assassinado, enforcado e esventrado), para que este demore a ler o poema e nada mais, evitando mostrar os seus órgãos internos ou externos, como temo ter acabado de fazer.

Maria Sequeira Mendes


 

Maria Sequeira Mendes é professora na FLUL e colabora com o Teatro Cão Solteiro.

There is nothing wrong with my sister

Maria S. Mendes

 

There is nothing wrong with my sister

 

After you told my sister

that there was no one else

but you no longer wanted her,

she went to bed and tried to work out

what she had done

and what was wrong with her

and spent the night awake.

 

There is nothing wrong with my sister

but may there be something wrong

with the Ikea wardrobe

she helped you to build,

so that tonight it falls apart

and wakes you

from your unaccompanied sleep.

Lorraine Mariner, “There is Nothing Wrong with my sister”, Furniture. London: Picador, 2009.

 

Gosto deste poema porque já desejei secretamente que a minha mobília do Ikea caísse em cima da pessoa que ficou com ela. Gosto deste poema porque nele se defende uma pessoa e se acusa outra, arquitectando-se uma forma de vingança a quem a merece, que fica para sempre inscrita nestes versos. E gosto deste poema porque expressa bem um certo tipo de poesia, na qual, nas palavras de Sianne Ngai, “Delightfulness offered by cuteness is violent”. Em Our Aesthetic Categories, Ngai relaciona o conceito de “cuteness” com alguma poesia moderna, de modo a mostrar como certos poemas usam características como “smalness, formal simplicity, softess or pliancy” (HUP, 2012, 64) para representar situações que não são “neither precious, small or safe” (70).

“There is nothing wrong with my sister” não é um poema difícil de ler, recusando abertamente a ideia de que a poesia deve ser entendida como uma adivinha ou como um texto que esconde uma mensagem apenas para ser compreendida por algumas pessoas. Nem poderia ser demasiado difícil, note-se, pois não sabemos quão bons são os talentos hermenêuticos do namorado da irmã. O poema é uma mensagem, à semelhança da nota sobre ameixas de William Carlos Williams em “This is Just to Say”.

A escolha de um roupeiro do Ikea – o símbolo de um tipo de mobília que não é pensada para durar – pode dizer algo sobre as relações do namorado da irmã, ao mesmo tempo que este é colocado na posição de duvidar se será seguro dormir ao pé do móvel, transformando-se este objecto em algo potencialmente perigoso. Note-se ainda como alguns dos versos descrevem a situação da irmã da poetisa, mas também as dificuldades de quem tenta montar algo do Ikea: “she went to bed tried to work out /what she had done / and what was wrong with her / and spent the night awake”. Expressões como “tried to work out” são associadas à ideia de que o problema não se encontra na mobília, mas sim em quem a tenta, sem sucesso, encaixar, abandonando a tarefa ao final de algumas horas e ficando a pensar em qual terá sido o passo errado na montagem. Se assim for, o título do poema, repetido na segunda quadra, pode ser ainda uma alusão aos problemas de montagem dos móveis do Ikea.

Lorraine Mariner usa a forma para dar um tom ao poema. Assim, apesar de as duas quadras partilharem, ao estilo de tanto mobiliário do Ikea, o tamanho, a mensagem bem-humorada torna-se ligeiramente mais agressiva quando o padrão rítmico dos primeiros versos é interrompido nos últimos versos de cada quadra, como se o poema estivesse a fazer duas coisas ao mesmo tempo: por um lado, a repetir o modelo da relação da irmã e de quem monta um móvel do Ikea, em que tudo começa bem, mas logo enfrenta dificuldades; por outro, a descrever de um modo ligeiro uma situação que se torna num aviso (cuidado com o guarda-roupa) e numa forma escrita de vingança (todos saberão o que fizeste à minha irmã). “There is nothing wrong with my sister” é, assim, um poema claro, ao contrário das instruções que acompanham cada móvel e dos sentimentos de dúvida que o namorado da irmã lhe deixou.

Maria Sequeira Mendes


Maria Sequeira Mendes é professora na FLUL e colabora com o Teatro Cão Solteiro.