Gosto deste poema porque me enganou não uma, mas duas vezes. Inicialmente, pensei que nele se caracterizava uma relação que se desfez, talvez, depois de uma traição. Assim o pareciam indicar versos como “some of us were sure you’re in a rut”, no qual “rut” tem a conotação sexual de copular, ou de se estar excitado sexualmente. Também versos como “You tear us. You tell us you’re true. Are you sure?” poderiam ser lidos como ilustrando alguém que, apesar das suas promessas, destrói a relação em que se encontra.
Esta explicação não parecia, todavia, ser totalmente persuasiva, sobretudo quando se relê o primeiro verso “A stout bomb wrapped with a bow”. Não fazia sentido que tal notícia de traição fosse enrolada por um laço (uma imagem que aponta para uma prenda ou para algo bom). Talvez, repensei, o poema descrevesse a ideia de que a linguagem por vezes nos atraiçoa. Versos como “You were to trust in us, and we in you. Terribly, you tear. You tear us.” ilustrariam as dificuldades de uma poetisa que, de certa forma, depende da linguagem, precisando de confiar nela para conseguir descrever imagens num poema, pelo que “tear” (rasgar) se poderia referir à distância que existe entre as palavras e aquilo que delas conseguimos fazer.
Ambas as leituras ignoram, contudo, o título do poema no qual, como se estivéssemos perante uma adivinha, se esconde a sua explicação. “Ectopia” aponta para uma gravidez ectópica, um caso em que o óvulo fertilizado não se desenvolve no útero, mas sim nas trompas ou na cavidade abdominal. Este tipo de gravidez precisa de ser tratado de emergência, sendo necessário pôr-lhe fim. Percebe-se assim que o primeiro verso descreva um laço (uma prenda, a gravidez), que esconde uma bomba (a necessidade de a interromper). Segue-se o verso “With wear, you tear” que alude à possibilidade de, se a gravidez continuar, poder romper o tubo uterino. Segundo o OED, a palavra “rut” indica igualmente “to beget a child” (ter uma criança), o que, juntamente com o verbo "bore" ("to bear") ajuda a provar a leitura deste poema. No verso “We bore your somber rub and storm” “somber rub” ilustra duas coisas que se movem uma contra a outra causando uma certa fricção (a mãe e o embrião em conflito, ou talvez a mãe que massaja a barriga durante aquilo que provou ser uma tempestade e uma situação sombria).
Assim, “on our tour out, we tore, we two” pode indicar a ruptura das trompas do falópio ou um aborto prematuro. Nesse verso tão bonito, “we” e “we two” são repetidos, apontando-se para a existência conjunta da mãe e da criança, quando “terribly, you tear”. A aliteração obsessiva em “two”, “terribly” e “tear” acentua esta imagem, ainda sublinhada por “trust” (mãe e feto deviam confiar um no outro, pois existiam como uma única entidade, mas são separados quando o embrião se desfaz). No final do poema, a mulher pede assim ao embrião que não manifeste a sua infelicidade (“strew your woe”), que guarde as lágrimas, bem pode fazer o seu pior e ser um bruto, mas está a levá-los até à sepultura (nova aliteração em “tomb”), onde ambos apodrecerão.
A palavra “ectopia” deriva do Grego ektopos, e indica algo longe ou fora do seu sítio, sendo recuperada neste poema extraordinário para caracterizar a conversa entre uma mãe e o seu bebé, que não é só a ilustração de uma gravidez ectópica, mas também a utopia do embrião de que tudo poderia correr bem, de que por um momento poderiam não ser separados um do outro, e as breves respostas da mãe, que usam frases curtas para explicar aquilo que não deveria nunca precisar de ser explicado.
Maria Sequeira Mendes