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English I

Poemas de antes

English I

Maria S. Mendes

 

English I

FIRST, We tied to each other
NEXT, Coconuts for the swimming
THEN, The Boat-Soldiers shoot
MEANWHILE, Many dying
AND THEN, We swam with dead People
LATER, We get on the land
FINALLY, We left our dead Friends.

What grade does this exercise deserve?
Homework folded like a handkerchief,
a little book of tears, burns, escape--

And still I mark the blasphemies
of punctuation, common speech;
the English tune will help them live.

Rickety Hmong boy, flirting simply
with the loud girl from Managua--
I taught him how to ask her out,

taught her how to say no, nicely;
my accent and suburban decorums
are tidy and authoritative as

the checks I make for right answers,
the rosy golf-clubs on the page.
By next year they'll talk their way

out of trouble instead of smiling
as they do hearing me drone Silent Night --
They join in, shy and hypnotized,

Saigon chemist, cowed Haitian, miming
the words I once told my music teacher
that Jews shouldn't sing: "Holy Infant."

 

David Gewanter, “English I”, In the Belly. Chicago: University of Chicago Press, 1997. 

 

Gosto deste poema porque reflecte sobre as complexidades e as implicações ideológicas envolvidas no ensino da língua ao Outro. Gosto deste poema porque começa com um sofrimento coletivo, “nós”, mas nós temos dificuldade em identificar-nos com aquele discurso particular de sofrimento. Gosto deste poema porque usa imagens físicas, como a descrição sensível da tarefa de avaliação do professor; sou professora e gosto do tráfego das línguas: “the checks I make for right answers,/ the rosy golf-clubs on the page.” ["os vistos que dou às respostas certas, / tacos de golfe cor de rosa no papel.”]

O poema é um híbrido, de formas misturadas e é também polifónico. O início poderia ser um refrão, mas é um pequeno ensaio escrito para uma aula de língua, com sintaxe mutilada e conteúdo atroz. O destaque conferido aos conectores temporais aponta para uma reflexão sobre a forma como a gramática encerra a articulação do trauma e, de algum modo, o relato cronológico dos eventos retrocede perante a dor e os perigos do deslocamento, da migração forçada. Por outro lado, a “forma canção” escolhida pelo poeta (marcada pela escolha de tercetos, preferidos por Dante) acrescenta uma camada metapoética ao que julgo ser um desafio da poesia lírica na contemporaneidade: como fazer a crueza cantar.

O poema foi publicado em 1997 em In the Belly, o primeiro livro de poesia de David Gewanter (n. 1954) e ressoa ainda mais nos dias de hoje, com as constantes notícias desoladoras de quem, de barco, se perde ou fica no mar, proibido de atracar na costa de tantas nações. É um poema político que não culpa a política, mas antes pensa sobre a desigualdade, de forma intersubjetiva e, em certa medida, se interroga acerca de responsabilidades pessoais: a responsabilidade do “eu” lírico nas suas ações públicas, aceitação de tarefas, ética profissional, parcialidade bibliográfica. 

O título “English I” [“Língua Não Materna”, ler tradução aqui] aponta para um desequilíbrio a grande escala, com implicações neo-imperialistas acerca da força cultural da língua atualmente dominante do comércio, sugerindo-se com ironia: “the English tune will help them live.” [“a melodia inglesa ajudá-los-á a viver.”] Além do mais, a última estrofe marca de alguma forma a voz lírica como tendo ascendência judaica, o que, em conjunto com os “accent and suburban decorums” [“sotaque e decoro suburbanos”], estabelece um contexto específico de “americanidade”, invocando uma historicidade cultural, a pesar sobre a tarefa intercultural que é a tradução de poesia.

Aquilo que mais me emociona no poema é a complexidade do ensino de uma língua como forma de expressão que conduz à ação, e o facto de fazer isto a / com pessoas que não são falantes nativos. Esses falantes são, como dramatiza a primeira parte do poema, pessoas que se sujeitam ao que Julia Kristeva chamou “o silêncio do poliglota.” Curiosamente, Kristeva invoca este conceito num texto que também recorre a um imaginário musical, “Toccata et fugue pour l'étranger” (1988) [“Tocata e Fuga para o Estrangeiro”], abordando, como o poema de Gewanter, o desconforto dos “nossos” códigos de linguagem mais valorizados (escrita verbal e canção), quando são impostos à dor de outrem, tomados como veículos privilegiados para manifestar compaixão. O laivo de contextualização cultural no final do poema concorre paradoxalmente para um impulso humano universal mais abrangente: o flashbackque permite que se penetre na sub-alteridade e na indignação muda do outro, por mais incomensuráveis que as situações sejam.

Margarida Vale de Gato

Tradução da leitura de Rita Furtado


Margarida Vale de Gato está numa relação aberta com a poesia. É tradutora literária, professora e investigadora na FLUL, nas áreas de Estudos Norte-Americanos e Tradução Literária. Tem publicado ensaios e livros, principalmente sobre Edgar Allan Poe. Publicou poemas em revistas e antologias de repercussões homeopáticas, e os livros Lançamento (Douda Correria, 2016) e Mulher ao Mar (Mariposa Azual, 2010), que já teve duas edição aumentadas (2013 e 2018) e terá futuras.