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Poemas de antes

Filtering by Category: Poemas de antes

Garden Abstract

Nuno Amado

Gosto deste poema por três bons motivos que não se sobrepõem nem têm neces­sariamente uma articulação óbvia entre si, até porque se manifestaram em diferentes sessões de leitura. Formu­la­dos com toda a simplicidade, esses bons motivos seriam: i) o efeito de perfei­ção compositiva; ii) o mistério da maçã; iii) a promessa de um “garden abstract”.

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o poeta japonês descobre a palavra jacarandá

Nuno Amado

No final do processo, o poema caligrafado ganha uma visualidade particular, a que só temos acesso indireto, por um novo efeito de remediação, patente na decomposição grafemática da palavra “p o e m a” com que o texto encerra. A decomposição mima a decomposição de “ja-ca-ran-dá” e de “tin-ti-na-bu-lan-tes”, a escrita mima a oralidade mimada pela escrita, que mais uma vez, como é da natureza do suplemento derridiano, vem primeiro.

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Alumbramento

Nuno Amado

Como se percebe retrospectivamente, assim que deparamos com a erotização do corpo feminino no último verso, nada do que Manuel Bandeira vai dizendo que viu ao longo do poema foi coisa deveras vista. A visão a que alude logo a abrir, não por acaso retomada no verso que antecede a confidência do que vira afinal, deve por isso ser entendida como interjeição: “vi os céus!” significa na verdade “Oh céus!”.

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Amor e prazer das coisas

joana meirim

Às vezes, toda a alegria do mundo está em comovermo-nos assim: passamos entre as coisas, as caras, os sítios, e no gesto delicado de inclinarmos a cabeça enquanto fechamos os olhos, fazemos que sim, mostramo-nos gratos, e seguimos, com o calmo segredo de sermos dignos do que nos acontece. Qualquer coisa assim.

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Montalvão tem o formato

joana meirim

Jane Helier não tem razão ao dizer a Miss Marple que nada acontece em St. Mary Mead, pois as pessoas são todas muito parecidas onde quer que se encontrem e é sempre possível encontrar semelhanças entre as coisas neste mundo (por exemplo, entre “Montalvão tem o formato” e “O dos castelos”, de Pessoa). Mesmo Portalegre, que não é, bem entendido, St. Mary Mead, levou Régio (lembrado há tempos aqui nos Jogos) a invocar idêntico argumento, ao explicar, contra quem queria ir para uma metrópole a sério, que a experiência na capital de província do Alto Alentejo era tão diversa como em Paris. Até existia um sapateiro que sodomizava os filhos.

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Die Blaue Blume

Nuno Amado

Ao pobre músico ambulante que tem na harpa um ganha-pão miserável e precário (inevitável é o reenvio àquela imagem de indigência e desespero irreparáveis que é o “O Homem do Realejo” da Viagem de Inverno de F. Schubert), não é dada outra escolha que não seja a de vaguear pelo mundo, à espera de que lhe saia a “boa sorte”: a flor azul que ele persegue passando de cidade em cidade, de charneca em charneca (as viagens de quem não tem dinheiro são desconfortáveis, pesadas. Nada de matas idílicas: o que ele enfrenta são o mau cheiro e a fria humidade dos pântanos).

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Reyerta

Nuno Amado

Este poema não devia ser esquecido porque, para além da admirável construção imagética que o caracteriza, se debruça de uma forma peculiar sobre uma das motivações principais para a existência de violência entre grupos de seres humanos: uma espécie de hábito mental que classifica o outro através da sua inserção em categorias pré-existentes, negando-lhe a sua individualidade.

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Musgo

joana meirim

Gosto particularmente de “Musgo”, e creio ter decorado a estrofe final porque a palavra isto sempre me fascinou. Pessoa, Carlos de Oliveira, Manuel António Pina deram-lhe amplitudes muito particulares, mas o próprio uso comum de isto já me parece extraordinário. Que a palavra que serve para designar o que está perto de mim possa ser simultaneamente tão vazia e tão incomensuravelmente cheia de todo o possível diz muito da nossa condição de existência (e a que será que se destina? – perguntava justamente Caetano Veloso).

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Time Out

Nuno Amado

Sempre que passo algum tempo nos poemas completos de Robert Frost acabo por parar neste, e por pensar que não devia ter esquecido não propriamente o poema, e nem sequer aquele extraordinário verso feito de nomes de plantas, mas o efeito da sua leitura. É certo que a sua situação de partida está próxima daquilo que imediatamente recordamos de outros poemas de Frost, e que podemos reconhecer como eixo desta sobreposição límpida entre poesia e especulação: uma paragem no meio do caminho, situação tão clara em “The Road not Taken” (“long I stood”) ou em “Stopping by the Woods on a Snowy Evening”, por exemplo – a interrupção do percurso que faz parecer natural a reflexão como curso dos versos.

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Sísifo

Nuno Amado

Este poema não devia ter sido esquecido, porque ajuda quem o leia a perceber que não há nada de errado em começar de novo, pelo contrário, e também porque sugere que a loucura talvez seja a forma mais sã de sermos humanos.

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Pequeno áster

joana meirim

O talho não fica bem à poesia – esta assunção é tão evidente que nos esquecemos de a questionar (o que nos coloca imediatamente fora da poesia, sendo o questionamento das evidências gesto poético por excelência), excluindo dos nossos horizontes de versos não apenas o cheiro do sangue e o martírio do bife, mas todos aqueles rituais complicados de manipulação alimentar e técnica da morte que fazem a fortuna dos policiais narrativos e televisivos, inexoravelmente seriais.

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Le ciel est par-dessus le toit

joana meirim

O sortilégio deste poema vem do seu tom meditativo e confessional, do modo como o “eu” se interpela (“ô toi que voilà”) e se recrimina, do poder sugestivo das imagens (o céu, a árvore, o pássaro) e dos sons (o sino, o rumor da cidade), que resumem a vida “simple et tranquille” fora das grades; e também da sua brevidade formal, da harmonia do ritmo e das sonoridades (repare-se no verso “berce sa palme”, cuja forma verbal remete nostalgicamente para o mundo da infância), da alternância do metro (versos de 8 e 4 sílabas) e do efeito de melopeia que resulta da repetição das palavras finais nas rimas (um procedimento que Verlaine usara já em “Il pleure dans mon coeur”).

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Narciso

Maria S. Mendes

Na última estrofe, diz-nos o poeta que espera a noite em que possa finalmente unir-se à imagem que espelha no fundo do poço. Termina o poema com uma exclamação, sinal de esperança, mas bem irónica, pois bem sabe o poeta que a espera será eterna.  

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