Entrevista a Angeline Yap
Maria S. Mendes
Entrevista a Angeline Yap
Angeline Yap publica poemas em Singapura desde os anos 70. Collected Poems foi publicado em 1985 e, mais recentemente, o seu trabalho foi publicado nas seguintes antologias: Words for the Twenty-Fifth (1990), Journeys: Words, Home & Nation - An Anthology of Singapore Poetry (1995) and More Than Half The Sky (1998), "Memories & Desires" (1999), No Other City - The Ethos Anthology of Urban Poetry (Feb. 2000), Rhythms - A Singaporean Millenial Anthology of Poetry (Sep. 2000). O seu poema “Nightmare” foi transformado em música por Leong Yoon Pin e representado em competições internacionais de coros pelo Singapore Youth Choir. Outro dos seus poemas, "Blue", foi transformado em música pelo Prof. Bernard Tan.
JF: Começou a escrever nos tempos do colégio católico.
Escrevi o meu primeiro poema numa aula, na Primária, quando tinha oito ou nove anos.
A nossa professora de Inglês, Jessie Pillay, mandou-nos fazer um exercício, por isso eu escrevi alguns versos. O poema era sobre um cãozinho, sentado à porta de um talho, que começou a ladrar quando viu uma cotovia voar sobre o talho. (Ora, não há cotovias em Singapura e isto aconteceu em nos anos sessenta e também não havia talhos porque nós comprávamos carne em mercados ao ar livre – e eu sabia isso porque a minha tarefa, todas as semanas, era ir buscar ovos frescos ao mercado, enquanto esperava que a minha mãe acabasse as compras. Mas aquele era o tipo de poesia a que eu tinha acesso: “lark” [“cotovia”] rimava bem com “bark” [“ladrar”] e então foi isso que eu escrevi.)
Depois fui encorajada a escrever outra estrofe “para fazer companhia à primeira” e desenhei uma pequena imagem; o meu primeiro esforço foi exposto no quadro da sala de aula. Foi assim que começou… porém, não foi assim que começou.
Ainda mais cedo, eu costumava passar as manhãs de Sábado na biblioteca infantil, em Stamford Road, a ler todos os livros do Dr. Seuss, do princípio ao fim, uma e outra vez. (Eu adorava aquelas manhãs, e a biblioteca era como uma segunda casa porque em minha casa também havia muitos livros e os dias de chuva eram passados a espreitar os livros de literatura do meu pai.)
JF: E como continuou?
A Jessie mostrou um livro que apelou totalmente à minha imaginação. Chamava-se Creative Writinge continha gravuras a lápis e poemas escritos por outras crianças, e então a Jessie disse “Tu também consegues – porque não tentar?” e eu tentei. E de novo, quando eu tinha dez anos, outra professora, a Irmã Josephine Healey, que já tinha sido professora da Jessie) também me disse “Tu também consegues – tens de tentar!” e eu tentei. Mais tarde, a Irmã Josephine apresentou-me à Marie Bong, que tinha escrito Creative Writing, e através da Marie Bong, conheci o Edwin Thumboo, a Lee Tzu Pheng, o Robert Yeo e o Kirpal Singh.
JF: O que significa ser-se religioso, em Singapura?
Eu sou anglicana; isto é, protestante. Mas deixe-me dizer que a Singapura de hoje focou-se intencionalmente em criar e em manter uma sociedade que pertence a e é partilhada por todos os seus cidadãos, independentemente das diferenças de raça, língua ou religião. Isto requer um esforço e um compromisso constantes. Estou sempre grata pela liberdade de culto de que gozamos.
JF: A religião ainda parece desempenhar um papel importante nos seus poemas. Em poemas como “Comunhão” [“Communion”] ou “Eu Sou a Cruz” [“I am the Cross”], Deus é alguém que ouve.
Entre “Communion” e “I am the Cross” há um intervalo de talvez 20 anos e qualquer coisa – entre o final dos anos oitenta e, julgo, 2002/03. O “tu” [“you”] de “Communion” é, em primeiro lugar, eu própria quando estava a escrever, depois o leitor e julgo que se pode dizer que Deus ouve o reflexo. Em “I am the Cross”, tentei mostrar que Cristo, na sua paixão, sofreu por todos, abraçou todos e ofereceu-se tanto pela vítima como pelo atacante. Nesse sentido, a sua tarefa é uma tarefa única, de unificação – o cordeiro pascal oferecido por todos.
JF: Em “Tente De Novo, Mais Tarde” [“Try again Later”], tenta falar a uma pessoa pela extensão 4,2,6 que não está no seu posto. Eu calculei que não pudesse ser Deus que não responde.
Não, esse poema é sobre um incidente real…. Ser-se apanhado no carrossel interminável da falta de resposta.
JF: Miriam Lo sugere que a Angeline chegou ao cristianismo através do Budismo Zen. O que diria?
Eu não pratico Budismo Zen, mas o mais provável é que a observação da Miriam Lo aluda ao fio contemplativo que passa pelas duas fés. Há algumas semelhanças relativamente à abordagem, ao método, à terminologia, mas julgo que há uma diferença fundamental.
Pelo que percebo, na meditação budista o objectivo é esvaziar ou libertar a mente. Por oposição, na contemplação cristã, o propósito é “concentrar” a mente e o coração em Deus – concentrarmo-nos totalmente em Deus, preencher de tal forma o coração, a mente e a consciência, com mais nada a não ser Deus, que todas as distracções são banidas; é estar-se totalmente presente para Deus e imerso em Deus – “sossega e conhece… Deus ["be still and know ... God”].
JF: Conheço o sentimento que descreve em “Quero Sossegar” [“I want to be Still”] (a minha mente é uma trupe de macacos palradores). A multidão podiam ser crianças. Deus parece acalmar todas essas vozes.
Sim. Contudo, quando Deus mostra que está presente, diz à tempestade - “Sossega!” [“Be still!”]
JF: No entanto, em “Reflexão Durante a Comunhão” [“Reflection During Communion”] pergunta se este “corpo deve ser tomado e quebrado por Deus” [“body must be taken and broken for God”]. Houve um momento de dúvida? “Deus” não pressupõe a ideia de que o corpo de alguém possa ser quebrado por Deus.
Julgo que a resposta está no poema “Há uma Multidão na Minha Cabeça” [“There is a Crowd in My Head”].
JF: Gosto muito do seu poema “Desamparo” [“Helplessness”]. Há nele uma simplicidade que aprecio. A Angeline parece afirmar que a felicidade é eloquente, mas que a forma de a descrever é simples. Em “Simples” [“Simple”] explica como a sua caneta lhe arruma a escrita.
Obrigada pelas suas palavras simpáticas.
JF: A Angeline retrata a felicidade como algo simples, em “Um Monte de Ouro” [“A Mound of Gold”]. A felicidade não pode ser quantificada. Esta simplicidade parece estar a par da ideologia de Singapura.
Sim, por vezes parece que é mais fácil expressar felicidade ou partilhar a alegria de um amigo do que encontrar as palavras apropriadas com que empatizar com a dor ou acalmar a raiva de outra pessoa.
Entre “Helplessness” e “Simple” há outro intervalo de talvez duas décadas – escrevi o primeiro poema no fim da adolescência e o segundo escrevi-o para a Marie Bong, julgo que nos meus trinta anos.
Por essa altura, também escrevi “A Mound of Gold”, durante a época de um Novo Ano Chinês, enquanto empilhava tangerinas numa taça, para fazer um monte de fruta dourada.
É costume ter-se muitas tangerinas em casa, porque as palavras cantonenses para “ouro” e “laranja” soam quase ao mesmo. .... É aspiracional (como “que possas ter muita / riqueza, no próximo ano” [“may you have plenty / wealth in the coming year.”]. Enquanto cristã, eu teria rezado para que a família (e a minha casa / país) pudesse ser rica em harmonia, paz, união, alegria, amor etc. e também para que a minha família caminhasse com Deus, no ano vindouro.
É também um poema para dar graças. Quando usamos a gratidão para varrer o que parece insignificante (o pó), Deus oferece uma bênção e então vemos que temos um monte de ouro, na palma da mão.
JF: Também parece apreciar a simplicidade das margaridas e a simplicidade das formas poéticas. Mas não parece produzir poemas simplistas.
De novo, obrigada.
Julgo que tem razão – em “Poema de Aniversário” [“Birthday Poem”] escrevo sobre preferir margaridas a geribérias. (Eu gosto de geribérias, crisântemos, girassóis e flores que tais, mas adoro a simplicidade das margaridas de pétalas brancas). Tal como pode ser testemunhado por qualquer pessoa que tenha escrito um haiku, as formas mais simples podem também ser as mais desafiantes. A simplicidade tem sido uma preocupação constante, não tem?
JF: A forma é importante? Pensa no metro ou na rima?
Uso formas e instrumentos poéticos de toda a espécie: assonância, sibilância, aliteração e assim por diante. Escrevo poemas muito longos ou muito curtos; alguns são escritos numa forma rígida (como o haiku), a maioria é verso livre. Porém, mesmo o verso livre é muitas vezes mais do que a fala libertada para servir de poesia… Julgo que até aí encontramos a música natural, inerente às palavras.
JF: Gosto muito do seu poema “Lesong”. Como o explicaria?
O “lesong” (palavra malaia) é um almofariz de granito para moer especiarias. O pilão chama-se “anak lesong” (“anak” quer dizer “criança”, em malaio). É isso; nesta imagem temos uma criança aninhada no abraço da mãe. Por vezes, na cozinha malaia ou peranak, é preciso moer especiarias até que se tornem muito finas, passando o pilão de uma mão para a outra, quando o braço se cansa... por isso o poema diz que o lesong ensina a paciência.
JF: Os seus poemas têm sido cantados por coros, em Singapura. Como é ouvir um poema, sob a forma de música?
É simultaneamente triste e satisfatório. É satisfatório ouvir como os outros interagem com a peça. Triste porque a criança cresceu e tem de viver a sua própria vida.
JF: Tse Hao Guang escreveu sobre a diferença entre som e visão, nos seus poemas. É disruptiva?
Julgo que está a referir-se a “Ting” ou “Fechar os Meus Olhos para Ouvir” [“Closing my Eyes to Listen”]. Por vezes ajuda fechar os olhos para empenhar todo o esforço no sentido de ouvir verdadeiramente com os ouvidos do coração.
JF: Que outras influências têm sido importantes para si? Miriam Lo menciona Dickinson...
Tantas, tantas – quando estava a crescer lia Thumboo e Tzu Pheng e tudo o que era escrito por poetas de Singapura, que me chegava às mãos. Também li muito Shakespeare e, a par de Creative Writing, de Marie Bong, houve outros livros que me formaram: Poetry of the English Speaking World – uma coleção que ia de Beowulf a e.e. cummings – e The Poet's World de James Reeves. Depois, mais tarde, houve Owen, Yeats e Frost. Neste momento estou a reler o Salmo 23 e, quando tenho tempo, não há nada que goste mais de fazer do que parar para ler. Agora estou a ler (e a reler) Jane Kenyon, John Piper e Lee Young Li. (Isto pode ser difícil de acreditar, mas uma boa sentença judicial também contém uma forma diferente de poesia.)
JF: Há alguma coisa de que goste, em particular?
A simplicidade?
No início dos anos 2000, fiquei amiga dos verbos e essa continua a ser uma relação muito gratificante.
Gosto de versos que cantam.
E também de metáforas adequadamente escolhidas, bem empregues.
Valorizo o trabalho de artesão.
JF: Sabe poemas de cor?
Claro.
Tradução de Maria Rita Furtado