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Entrevista a Anne Lee Tzu Pheng

Singapura

Entrevista a Anne Lee Tzu Pheng

Maria S. Mendes

Entrevista a Anne Lee Tzu Pheng

 

Anne Lee Tzu Pheng é professora jubilada de Literatura Inglesa da Universidade Nacional de Singapura. Ganhou inúmeros prémios pela sua poesia, incluindo o Singapore Cultural Medallion (1985), S.E.A. WRITE Award (1987), Gabriela Mistral Award (Chile, 1995), Montblanc-CFA (Centre for the Arts) Literary Award (1996), e o Singapore National Book Development Council Award for Poetry (três vezes).  Tem sete colectâneas de poesia, um livro de ensaios e um livro paradesenvolver nas crianças a aptidão para a leitura. Tem sido publicada e estudada internacionalmente. Alguns dos seus poemas foram transformados em música. Foi mentora de muitos dos escritores mais novos de Singapura. 

  

JF: Como foi começar a escrever nos primeiros tempos de Singapura, enquanto país?

Singapura tornou-se uma nação independente em 1965. Eu comecei a escrever em 1965/66. Havia pressão para que se encontrasse a nossa voz “nacional” e isso não conduziu a boa escrita. Prestei muito pouca atenção à chamada para essa tal poesia nacional e estava mais empenhada em tentar descobrir a minha própria identidade enquanto pessoa pertencente àquela época da História, quando de repente nos tornámos “singapurenses”. Além do mais, o público interessava-se pouco por poesia e havia poucos leitores. A minha motivação para escrever veio de dentro. Eu estava numa idade (21 anos) em que precisava de explorar aspetos da minha vida através da escrita e de descobrir a minha “voz”.

JF: Numa entrevista mencionou que naqueles primeiros tempos, os escritores ainda tinham a sua imaginação “presa a uma paisagem estrangeira”? Que paisagem estrangeira é essa?

Até 1965, Singapura foi uma colónia britânica. Muitas gerações foram criadas à base de uma dieta de literatura inglesa que era, em si, um reservatório de cultura britânica. Muitos escritores jovens de Singapura tendiam a recorrer a paisagens inglesas como pano de fundo para a sua ficção, usando referências a coisas e objectos britânicos. A paisagem de casa – Singapura e Malásia, que sempre foi nos foi próxima, culturalmente – não surgiam de forma confortável, no que escrevíamos. A paisagem ainda não tinha sido “ratificada”, na nossa imaginação.

 

JF: Com a imposição do inglês enquanto língua, essa paisagem estrangeira não permanecerá?

Até certo ponto, isso é verdade. Os primeiros escritores lutaram por criar uma linguagem a que pudéssemos chamar nossa, baseada no inglês. Aqueles que a usavam na sua escrita criativa sentiram necessidade de construir uma variedade autóctone do inglês. As primeiras experiências foram muito inseguras e artificiais e, em última instância, mal-sucedidas. Muitas pessoas, como eu, restringiram-se a um inglês simples, que não tinha muito sabor do “britânico”. Aos poucos, desenvolvemos a nossa própria versão e, desse modo, fomos afastando a nossa imaginação da inglesa e fomo-nos sentindo mais “familiarizados” com a nossa própria paisagem.

 

JF: Um dos seus poemas, “My Country and My People” [“O Meu País e o Meu Povo”] foi banido pelo governo de Singapura. Gostaria de contar-nos algo sobre isso? Calculo que tenha sido apanhada de surpresa. 

Sim, é verdade; o poema foi proibido na rádio! Para ser sincera, continuo sem saber porquê, até hoje; ninguém de entre as pessoas que estavam à frente das transmissões me deu qualquer razão, nem hoje nem então. Era um poema em que eu explorava a minha própria identidade, da infância à idade adulta, relativamente ao que o meu país significava para mim. Era claro, e com toda a honestidade, que eu ainda não me sentia “singapurense”, o que quer que isso significasse. (Estávamos na altura em que o governo estava a apelar à construção de uma nação, na Singapura recém-independente.) Talvez o poema não fosse nacionalista o suficiente ou talvez desse voz a demasiadas dúvidas acerca de identidade; mas era um questionamento muito pessoal e honesto acerca de mim própria! Eu não estava a defender nada nem ninguém. Posso apenas depreender que havia tão poucos leitores competentes de poesia no governo, na altura, que acabavam por ler mal, e com inquietação, qualquer coisa que não louvasse o país e parecesse questionar.

 

JF: Enquanto poetisa e leitora de poesia, há alguma coisa na linguagem da poesia que a aborreça? Mencionou uma antipatia, que partilho, por“demonstrações de brilhantismo ostentatório, meandros autocomplacentes e confusões linguísticas irrelevantes”. Há palavras, formas poéticas ou figuras de estilo que valorize mais do que outras?

Eu valorizo tudo o que soe genuíno em poesia – isto é, no sentido em que o poeta luta por encontrar uma forma de dizer algo que valha a pena ser dito, que seja difícil de dizer, mas com que ele ou ela se preocupem o suficiente para encontrarem palavras para o dizerem. A melhor poesia acontece quando esta luta nãoparece uma luta, mas a forma mais natural e fácil de exprimir tal pensamento.

 

JF: Mencionou que “Se nos focarmos demasiado nos elementos técnicos – conseguir acertar no ‘como’ e no ‘o quê’ – podemos esquecer-nos do ‘porquê’. O porquê é, para mim, o que faz com que um poema seja bem-sucedido.” Gostaria de falar um pouco sobre isto?

Julgo que perguntar “PORQUE é que este poema foi escrito?” me dá um bom indicador do valor que o poema tem para mim. Apesar de a intenção nem sempre ser alcançada, a razão por que um poema passou a existir diz-me algo útil acerca do impulso criativo e do modo de funcionar do seu autor. Diz-me com que se preocupa o autor; é algo que está sobre e além da perícia linguística. Em certo sentido, é o que o poema não dizou não se atreve a dizer, que me atrai.

 

JF: Alguns dos seus poemas têm sido musicados para coros. Gosta de os ouvir?

Gosto, sim! Até agora, os compositores têm conseguido apanhar o ambiente dos poemas, de forma bastante precisa. Por exemplo, a minha poesia é muitas vezes meditativa, raramente barulhenta. As transformações musicais têm sido sensíveis a isso.

 

JF: Em 1989, converteu-se à religião católica, o que influenciou a sua última colecção de poesia. Gostaria de falar um pouco sobre isso?

Se eu sou uma poetisa católica, quando estou a escrever, sou antes do mais, poetisa. O ser católica é secundário. Se o catolicismo transparece nos poemas, isso é naturalmente expectável; mas não faz parte de mim fazer propaganda. Se a poesia não for bem-sucedida, nada mais será. Por isso é sempre poesia primeiro; o que quer que seja católico vem depois, se vier.

 

JF: Escreveu um livro para crianças. Houve desafios técnicos de que não estava à espera?

Escrevi um livro para pais, não para crianças. É sobre preparar crianças muito pequenas para se tornarem leitoras e adorarem ler.

 

JF: Numa entrevista, mencionou que, entre os seus autores preferidos estavam “muitas vezes pessoas chamadas Anon”. Gostaria de nos dar alguns exemplos de poemas anónimos que aprecia?

Apercebo-me várias vezes de que gosto de poemas anónimos; mas aquele que ficou na minha memória é uma canção do século treze, chamada “Sumer is icumen in” [“O Verão Chegou”].

 

JF: Em “Blue print” [“Plantas”] menciona uma das muitas contradições de Singapura: como a destruição do West Coast Park e do seu ambiente ter sido ilustrada por um cartaz que dizia “De agora e diante, os singapurenses serão mais verdes”. Tem sido vista como mentora de escritores mais novos. Quem são os seus poetas de Singapura preferidos?          

Estes podem não ser “preferidos” em si, mas aqueles cujo trabalho me diz mais: Arthur Yap, Boey Kim Cheng, Alfian Sa’at, Aaron Lee. 

 

JF: “Grimm Story” [“História de Grimm”] é um dos meus poemas preferidos. Tem uma moral sombria. Gostaria de o comentar?

As histórias populares surgem de uma tradição oral e são parte da riqueza da História e das histórias de uma comunidade; estão entre a literatura do mundo de que mais gosto! Escrevi “Grimm Story” porque achei que o trocadilho com a palavra “Grimm” (que soa a “grim” [“sombrio”]) capturava muito bem o sentido de como as verdades morais expostas nas histórias populares reflectirem algumas das realidades mais sombrias do nosso mundo.

 

JF: Sabe poemas de cor? Quais?  

Sim, sei. Por mais estranho que pareça, sei muitas cançõesde cor, de umas quantas sei cada palavra, algumas desde a infância! Os poemas que recordo melhor tendem a ser poemas divertidos e absurdos, como os de Lewis Carroll e Edward Lear! Considero-os a todos as curiosidades de que o meu cérebro está recheado!

 

Tradução da entrevista por Rita Furtado