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Poemas Cyril Wong

Singapura

Poemas Cyril Wong

Maria S. Mendes

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No Oxford Companion to Modern Poetry descreve-se Cyril Wong como “turn of the century Geoffrey Hill in its intricately patterned probing”. Wong, um dos mais prolíficos jovens poetas de Singapura, foi apelidado de “poeta confessional” graças aos seus poemas violentos e sexuais (que são únicos no contexto de Singapura). Na sua entrevista, Cyril Wong fala sobre a sua poesia, sobre os poetas que o influenciaram e descreve as contradições presentes no dia a dia de Singapura. Leiam ainda aqui o seu poema inédito ‘Weather’ e os poemas, que publicamos com autorização, ‘Heat’ e excertos de ‘Thanksgiving’.


Calor, traduções de Valério Romão 

Depois da exposição de Amanda Heng, I Remember... sobre a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial.

A sirene voltou a tocar: um chicote de som
estalando no ar, subindo e descendo,
terminando naquela nota longa como um contínuo
apunhalar do cérebro. Corremos para nos escondermos
debaixo das escadas de uma escola vazia. 

Um homem de uma das salas de aula
aproximou-se de nós para oferecer à avó
um lugar junto da sua família. Ela agradeceu-lhe
mas disse-lhe que não. Aquela sala de aulas foi bombardeada 

e toda a gente morreu. Quando regressámos
a casa já amanhecera, e no nosso quintal
haviam crescido estilhaços como
fruta alienígena. Ficámos a olhar para aquilo
da soleira da porta enquanto a manhã
decorria numa paz invulgar.  

Era esta a razão pela qual a sirene nos fizera 
correr. Imaginámos aqueles estilhaços queimados
voando para nos rebentar o crânio. Imaginámos
os nossos corpos esburacados a conspurcar o relvado.
Passámos por cada um dos estilhaços para lhes tocar
sentindo o seu calor nos nossos dedos. 

Heat, Cyril Wong

After Amanda Heng's exhibition, I Remember ...about the Japanese Occupation during World War II.

 

The siren came back: a tail of sound
whipping the air, rising and falling,
ending in that long note like a sustained
stab to the mind. We ran to hide
under the stairs in an emptied school.

A man from one of the classrooms
approached us to offer grandma
a space with his family. She thanked him,
but said no. That classroom was bombed

and everybody died. When we went
back home, it was already morning,
and shrapnel had grown in our backyard
like alien fruit. We stared at it
from the doorway as the morning 
basked in an unusual peace.

This was why the siren had made us
run. We thought about its scorched bits
flying to burst our skulls. We imagined
our punctured bodies littering the lawn.
We walked out one by one to touch it,
tasting its heat through our fingers.

 

Cyril Wong, Like a Seed with its Regular Singular Purpose. Singapore, Math Paper Press, 2018. 


Intermezzo

Que mais podem os amantes fazer agora
do que discutir? A racha no tecto.
O cano do lavatório ainda entupido.

Ainda assim muito melhor do que notícias de outro 
amante: o choque da sua roupa interior 
debaixo da cama, uma embalagem de preservativos. 

Filhos ou dinheiro podem selar 
o casamento. Nestes lares,
o que adesivo pode tornar-se ácido, a infelicidade

 espraiando-se como um labirinto de rachas
dos seus pés até que a morte os separe.
Algumas discussões são trampolins

 para amantes afortunados atingirem novos cumes.
Os amantes na varanda 
como os amantes que os seus pais eram, 

reconciliam-se ou guerreiam. Agora
estão estendidos na cama, em tombos
apartando-se ou aproximando-se um do outro no sono.

A canção de embalar das suas respirações
é um nó apertando, ou
desapertando.

Intermezzo

What else can the lovers do now
but quarrel? The crack in the ceiling.
The pipe still clogged under the sink.

Far better than news of another 
lover: the shock of his underwear
under the bed, a pack of condoms. 

Children or money may seal 
the marriage. In these homes,
adhesive may turn acidic, unhappiness

spreading like a maze of cracks 
from their feet till death do they part
Some fights are trampolines 

for lucky lovers to reach new heights. 
The lovers stand on balconies 
like the lovers their parents were,

 in reconciliation or war. They lay
in their bed now, tumbling apart
or toward each other in sleep.

The lullaby of their breath 
is a knot tightening, or
untightening.

 

Cyril Wong, Tilting our Plates to Catch the Light. Singapore, Math Paper Press, 2012.

 


Dia de graças
(excertos)

 

Obrigado pelo subtil sado-maso
pelo bondage suave, pelas palmadas precisas;
por acenderes todas as luzes
sob a minha pele. Obrigado pela confiança
e pela experimentação; pela perversidade, 
de módica até que-caralho-
estavas-a-pensar? Obrigado 
por ainda acreditares em limites.
Obrigado pela submissão 
e por aceitares a contradição:
por perceberes “sim” quando
eu queria dizer “não”. Obrigado
por nos manteres juntos 
no aqui e no agora;
pela arte da nossa amnésia
relativa à impermanência 
e a um mundo purgatorial lá fora.

*

Obrigado pelas coisas necessárias;
por nos manteres seguros e por não convidares aquele tipo
que podia ser um polícia à paisana,
desejoso de preencher a sua quota de engaiolamento;por ficares à janela com um cigarro
suspenso sobre os teus lábios como um aviso
por analisares os que passam sob o teu prédio;
pela voltinha à hora certa no hall do edifício
para ver se algum carro suspeito
estaria estacionado lá fora;
por me dares conta do teu estado de saúde
por te assegurares de qualquer um a quem pedisses
para se nos juntar fosse gentil e adaptável; 
por manteres os nossos copos cheios de bebida;
por perguntares, a meio, se estava com fome
porque a minha barriga fizera barulho
por me levares à porta apenas
depois de verificares que levava tudo
quanto tinha trazido para a tua casa
assegurando-te de que nada de meu ficava.

Thanksgiving 
(excerpts)


*
Thank you for the subtle S&M; 
the light bondage, the sharp spanks;
for turning on every lamp
under the skin. Thank you for trust
and experimentation; for mild 
kinkiness to what-the-fuck-
were-you-thinking? Thank you
for still believing in limitation.
Thank you for submission
and for accepting contradiction:
for understanding “yes” when
I meant “no”. Thank you 
for binding us together
to the here and now; 
for the art of our amnesia 
regarding impermanence 
and a purgatorial world outside. 

*

Thank you for the necessary things; 
for keeping us safe and not inviting that guy
who could have been a cop in disguise,
eager to fulfil his entrapment quota;
for standing at the window with a cigarette
poised like a warning on your lip
to scan passers-by beneath your flat;
for taking a walk to the lobby downstairs
at the requisite hour to see if vehicles
were suspiciously parked outside; 
for informing me of your health status;
for making sure anyone you asked
to join us would be kind and adaptable; 
for keeping our glasses filled with drink; 
for asking, midway, if I was hungry
because my stomach made a noise; 
for seeing me to the door and only
after checking that I’ve taken every item
that I brought with me into your home,
ensuring I leave nothing of myself behind. 

 

Cyril Wong, The Lover’s Inventory. Singapore, Math Paper Press, 2015. Buy here


Cyril Wong é um poeta prolífico, cujo último livro de poemas,The Lover’s Inventory, recebeu o Singapore Literature Prize de 2016. 

 

Valério Romão nasce em França em 1974. Tem três romances publicados (Autismo, 2012, O da Joana, 2013 e Cair para dentro, 2018), três livros de contos (Facas, 2013, Da Família 2014, Dez razões para aspirar a ser gato, 2015) e duas peças de teatro (A Mala, 2015, Irina, MachaOlga, 2016). Tem publicado na Granta Portugal e Brasil, Granta UK e Granta Suécia; o seu livro O da Joana foi publicado em Itália pela Caravan Edizioni, e Autismo foi publicado no Brasil pela Tinta-da-China Brasil e em França pela Chandeigne (que também publicou a recolha de contos O da Família, em 2017), onde foi finalista do Prémio Femina em 2016.