Entrevista a Jee Leong Koh
Maria S. Mendes
Entrevista a Jee Leong Koh
Jee Leong Koh é autor de Steep Tea (Carcanet), que foi nomeado o melhor livro do ano pelo Financial Times (UK) e foi finalista do Lambda Literary (USA). Publicou três outros livros de poemas, um de ensaios e uma colecção de zuihitsu. A sua obra encontra-se traduzida para Japonês, Chinês, Malaio, Vietnamita e Russo, entre outras línguas. Oriundo de Singapura, vive em Nova Iorque, onde dirige Singapore Unbound. Podem acompanhar a obra do autor aqui.
Quando tinhas 15 anos, um poema que escreveste sobre a chuva passou na rádio singapurense e recebeste um cheque de $20. A relação com Singapura parece ser mais fácil quando se escreve sobre a chuva ou sobre o Merlion do que quando se escrevem poemas como “Come on, straight boy, and make gay love with me.”
Isso é muito engraçado! Adoro a forma como caracterizas a situação. Estás a falar de um tempo, no início da década de zero, quando o governo singapurense proibiu a leitura do meu poema num evento Pride. Desde então, as coisas mudaram. Hoje em dia posso vestir uma t-shirt de manga cava que diz “Gay But Not Yet Equal” (“Gay mas ainda não igual”), ir ao ginásio do bairro e não ser expulso por isso. Avançamos em passos pequenos. O movimento dos direitos LGBTQ+ foi conquistando visibilidade e apoio ao longo dos anos, apesar de a oposição também ter ganho força. O estado ainda se recusa a eliminar a lei antissodomia, que obstrui todos os outros direitos.
A minha luta com Singapura alargou-se para além dos direitos LGBTQ+. Quando o estado proibiu a emissão pública de um documentário político (“To Singapore with Love”, de TAN Pin Pin) e retirou o subsídio atribuído a um romance gráfico politicamente crítico (The Art of Charlie Chan Hock Chye, de Sonny LIEW), decidi deixar de colaborar com as agências culturais do estado, para que o meu trabalho não pudesse ser usado para apoiar as medidas do estado tanto de repressão das liberdades dentro do país como de diplomacia externa. O governo usava e ainda usa o florescer das artes em Singapura como argumento a favor da benevolência de um regime que, na verdade, é muito repressivo. Em Singapura, uma pessoa que protesta em público pode ser considerada um ajuntamento ilegal e ser presa e acusada de crime.
Dada esta situação política, deixei de me candidatar a subsídios estatais que podiam ser atribuídos à minha escrita e dediquei-me ao trabalho da ONG literária Singapore Unbound, que fundei e à qual ainda presido em Nova Iorque. A Singapore Unbound (https://singaporeunbound.org/) está empenhada na luta pela liberdade de expressão e igualdade de direitos através de intercâmbios literários e solidariedade política. A partir de Nova Iorque, tento manter-me atento aos desenvolvimentos em Singapura e dar todo o apoio que posso ao crescente movimento progressista. Além disso, volto ao país todos os anos para organizar eventos e intervenções.
Afirmaste que a etiqueta “poeta queer pós-colonial” — impressa na contracapa de Steep Tea — é útil, mas não te define. Numa entrevista disseste ainda que te consideras“um poeta lírico que vive numa época antilírica”. Destas descrições, qual é a mais adequada?
Diria que todas e nenhuma. Uma pessoa tenta encontrar uma autodefinição que se ajuste ao ponto em que está da sua viagem. Isto não é algo coisa que se faça com cinismo, para fins de marketing, mas, sim, existencialmente. Como é que me posso definir se não quero que os outros me definam? Para um poeta, a tarefa é ainda mais premente, penso, que para um romancista. Pós-colonial, queer, lírico — são tentativas hesitantes, provisórias e improvisadas não só de definir o eu, como de definir as forças dispostas contra o eu — o (neo)colonialismo, o patriarcado, o caos.
Enquanto poeta e leitor de poesia, há alguma coisa na linguagem ou em poesia que te irrite?
Há pouco tempo estava a ler um livro de poesia de um poeta americano a dar para o jovem. A linguagem era muito bonita mas, por mais que me esforçasse, não conseguia perceber o que ele estava a dizer, o que estava a descrever. Estava na cabeça dele, mas não estava num mundo que eu e ele partilhássemos com outras pessoas. Até certo ponto, foi uma experiência divertida, mas rapidamente fiquei cansado com aquilo, ainda para mais porque não era uma cabeça particularmente interessante.
Quero crer que uma das principais funções da poesia é “desfamiliarizar” o mundo, ajudar-nos a ver o mundo como se fosse novo, renovar a forma desgastada como olhamos para mundo. Para o conseguir fazer, a poesia tem de acreditar que existe efectivamente um mundo fora de si. Um mundo que é difícil de escrever, ou até de provar que existe, mas ao qual podemos aceder, em vislumbres, através das palavras. Quero saber se estou a ler sobre o Tamisa, o Hudson, o Yangtze, ou a Ideia de Rios. Quero saber se estou a ler sobre a morte de um pai, ou de uma filha, ou de um animal de estimação, ou sobre todas mortes, ou a Morte. E não apenas a ler palavras.
Isto é a irritação de alguém que escuta o carro alado do tempo a aproximar-se (“Time’s winged chariot hurrying near”). Também é um problema da nossa época. Wallace Stevens pôs as coisas assim: “O que aconteceu, enquanto atravessávamos todo o céu, foi a imaginação ter perdido o poder de nos suster. Ou tem a força da realidade, ou não tem nenhuma força.” (“What happened, as we were traversing the whole heaven, is that the imagination lost its power to sustain us. It has the strength of reality or none at all.”) Hoje em dia não consigo ler poesia que tenha perdido a força para confrontar a realidade.
Tens estima especial por alguma palavra, forma poética ou figura de estilo?
Por razões que me escapam, volto muito à palavra “soft” na minha poesia. É uma palavra que, além de falar, pode ser tocada e saboreada, e faz isto tudo ao mesmo tempo que significa várias coisas, ora escute: suave, vulnerável, honesto, subtil, forte, terno, confortável, pré-erecção, pós-orgasmo, receptivo, compreensivo, maleável, formal, transformador. Não é o oposto de duro, é um estado de rigidez, tal como duro é um estado de suavidade. É uma palavra que surge conjugada com “ware,” “water” e “power.”
Costumas ler crítica literária?
Estudei Inglês na Universidade de Oxford e foi aí que comecei a ler crítica literária, de que gosto muito. A crítica abriu os meus olhos para as muitas dimensões de uma obra literária e da sua recepção. Em Oxford, fui muito influenciado pelos textos críticos de Matthew Arnold e T. S. Eliot. Também li os críticos marxistas, feministas, desconstrutivistas e psicanalíticos, mas resisti-lhes um bocado em nome da literatura.
No que respeita à poesia singapurense, lia tudo o que podia ler do poeta e crítico Gwee Li Sui. Desde que vim para a América, descobri o importante trabalho crítico de Dorothy Wang e Timothy Yu sobre a poesia ásio-americana, e o livro de Jahan Ramazani sobre a musa híbrida, e finalmente li Walter Benjamin, que é fascinante por causa das suas contradições.
Mas, na verdade, qualquer corpo forte de poesia constitui uma espécie de crítica, já que defende e concretiza certos valores poéticos em detrimento de outros. Os poetas contemporâneos que me ocorrem incluem Wallace Stevens, W. H. Auden, Elizabeth Bishop, Frank O’Hara, Eavan Boland, Louise Glücke Carl Phillips. E os escritores de prosa ficcional também costumam ter coisas interessantes a dizer à poesia: Borges, Nabokov, Bolaño e a romancista filipino-americanaGina Apostol. São escritores que abordam a ideia da forma literária.
Em Payday Loans, o soneto “April 25” desloca o dístico shakespeariano para o início do poema, com um verso chinês a fornecer a rima. “Reversi, Also Called Othello” (Steep Tea) também alude a e brinca com Shakespeare e com a noção de forma. Como é que Shakespeare te influencia?
Não conseguimos escapar a Shakespeare. Está em todo o lado na língua inglesa. É claro que isto é uma função do colonialismo inglês, mas também é uma função da imaginação poética individual. Para mim, o que Keats disse sobre Shakespeare é ainda uma pedra-de-toque: o génio dele assenta na sua capacidade negativa. Ele é “capaz de existir nas incertezas, nos mistérios e nas dúvidas sem perseguir de modo irritável os factos ou a razão.” (“capable of being in uncertainties, Mysteries and doubts without any irritable reaching after fact or reason.”) Gosto que as coisas sejam claras, que sejam distintas, mas também acredito nos mistérios essenciais. O meu problema é com os poetas que querem tornar obscuro o que deve ser claro, ou tornar claro o que deve permanecer obscuro. Há tremenda claridade em Shakespeare e também há um profundo mistério.
No teu trabalho também encontramos Larkin e outros poetas anglófonos, mas tens enfatizado a importância de conhecer poesia de outras regiões do Globo. Quem são os teus poetas não ingleses favoritos?
Constantine Cavafy, Wisława Szymborska, Yosa Busone e Marina Tsvetaeva. Com estes quatro poetas, sinto que o espírito da poesia sobrevive à tradução. Também me ocorre o escritor zuihistsu Sei Shōnagon, enquanto poeta.
No teu blogue começas por publicar esboços de poemas e, depois, a versão revista. Isto dá imenso jeito aos críticos que andam a tentar perceber melhor a sua poesia (Risos). Pensa no que os críticos virão a dizer no futuro?
Ah, sim! Gosto da ideia de dar que fazer à indústria Jee Leong Koh.
Também és professor. Como é que gosta que a poesia seja ensinada?
Com muito amor por ela. E o resto vem a seguir.
Fim
Tradução da entrevista: João Brandão