Entrevista a Loh Guan Liang
Maria S. Mendes
Entrevista a Loh Guan Liang
Singapura, 26 de Agosto de 2018
Loh Guan Liang é autor de dois livros de poesia: Bitter Punch (2016) e Transparent Strangers (2012). Bitter Punch foi nomeado para o Singapore Literature Prize em 2018. Loh Guan Liang também co-traduziu Art Studio (2014), um romance de Yeng Pway Ngon. Podem acompanhar o autor aqui.
JF: Como é a poesia ensinada em Singapura?
Há um currículo nas escolas e um determinado programa para literatura. O contacto com a poesia começa principalmente no ensino médio, quando os alunos têm aproximadamente 12, 13 anos. Queremos automaticamente que os alunos consigam apreciar poesia, mas às vezes torna-se tudo um bocadinho técnico demais. Obrigam-te a procurar símbolos, comparações. É difícil para os alunos dizer aquilo de que gostam num poema, porque muitos não estão à vontade com o inglês, o que é um problema.
JF: Nas minhas leituras de poetas de Singapura, a maior parte das referências e alusões parecia vir da literatura inglesa.
Durante muito tempo, ensinámos poetas ocidentais canónicos. Em anos mais recentes, tem-se aceitado mais a poesia nacional. Depende da escola, mas como nação estamos a tentar que cada vez mais pessoas contactem com essa poesia. Durante muito tempo foi Yeats (“What’ love”), Shakespeare...
JF: Numa entrevista, dizes que as tuas referências anglófonas são facilmente reconhecíveis, como Dickens ou Larkin. De que outras referências se poderia falar?
Gosto de Raymond Palmer e de Jonathan Coe. Também gosto muito de Alain de Botton. Penso que o meu primeiro contacto com a poesia ocidental foi através de [Philip] Larkin – estudei-o na escola. Gostava de Larkin porque escreve sobre o homem comum, e isso para mim tem muito significado. Porque muitas vezes – sabe, há sempre muito Eliot. Este parecia escrever para uma elite, e eu achava que isso era alienante. Para mim, parte da minha, pode dizer-se, missão, ou parte da minha motivação, era escrever de facto aquele tipo de poesia que as pessoas comuns conseguissem compreender, que lhes dissesse alguma coisa. Porque, por demasiado tempo, a poesia via-se como algo que pertencia ao domínio da elite. Eu escrevo sobre coisas mesmo normais. Evito linguagem muito complexa nos meus poemas. Tento que os poemas sejam simples, e algo que procuro sempre é que sejam acessíveis. Não escrevo poemas que sejam longos demais. Em termos de clichés, evito descrever o amor como coração. É conseguir encontrar novos caminhos para falar das coisas.
JF: Também me interrogo se não fará referência a poetas asiáticos que não conheço, e daí a razão pela qual não os consigo identificar.
No meu contacto com a poesia, houve muitos ícones ocidentais mas não me identificava verdadeiramente com nenhum. Foi apenas na universidade que descobri a poesia nacional, e gostei de toda. Parecia falar para mim. Falavam de coisas, sítios e pessoas que eu conseguia de facto ver...
JF: Quem são os teus poetas preferidos de Singapura?
Gosto muito do Felix Cheong. Quem mais? Hmmm… Alfian Sa'at. Foram poetas como estes que comecei por ler. Quando comecei a escrever muito do que fazia era imitá-los, admirava o seu estilo e queria copiá-los. Tive de experimentar durante algum tempo até ter encontrado a minha voz.
JF: És bilingue?
Sou.
JF: Nunca escreveste em chinês?
Não, mas já traduzi de chinês para inglês.
JF: A língua que usas na escrita é o inglês?
Sim, é o inglês.
JF: Escolheste o inglês como língua ou tem a ver com as políticas linguísticas de Singapura?
No âmbito da minha educação, cresci numa família de falantes de mandarim, portanto o inglês surgiu mais tarde, por causa da escola.
JF: Com que idade começaste a aprender inglês na escola?
Penso que deve ter sido logo no jardim infantil, portanto com 5 ou 6 anos.
JF: Os teus pais também são fluentes em inglês?
Não muito.
JF: Parece haver um fosso entre gerações nas famílias de Singapura.
Pois há. Uma coisa de que gosto muito relativa ao ambiente linguístico dos meus pais, falantes de mandarim, tem a ver com a imagética. Parte do meu ambiente de mandarim está cravado nos meus poemas, e gosto disso. Gosto da forma como delineou esses “dois mundos”. Para mim, grande parte dessa experiência é concentração. O cérebro vai e vem constantemente, atravessa línguas... Às vezes é um pouco confuso, mas outras vezes oferece um espaço muito rico de criação de novo vocabulário.
JF: Sim. Por exemplo, em 追‘Pursuit’ conseguiste fazer isso mesmo ao descrever um signo chinês.
Sim, é mais do que aquilo que a palavra parece. Nesse poema, a própria natureza da língua chinesa presta-se muito bem a esse tipo de transformação.
JF: Em Bitter Punch, escreves sobre experiências pessoais. Por exemplo, há um poema de que gosto mesmo muito chamado “Paraplégico”, em que a personagem principal é uma cadeira.
Esse poema, “Paraplegic”, foi na verdade uma colaboração com um ilustrador. Foi um projeto iniciado por uma revista literária, para um dos números, e por isso juntaram um poeta a um artista ou ilustrador. Assim, eu fiz par com – não me consigo lembrar do nome dela... desenhou uma série de cadeiras que me deram o estímulo para escrever “Paraplegic”.
JF: Parece haver uma mudança de estilo entre o primeiro livro e o segundo.
Houve com certeza uma mudança de estilo em Bitter Punch. Em Transparent Strangers, a voz poética era mais afastada, eu olhava para as coisas à distância. Em Bitter Punch, tratava de coisas muito mais íntimas, um conteúdo pessoal. No entanto, acho que toda esta experimentação percorre ambos os livros. Bitter Punch, penso eu, apresenta mais confiança em termos de experimentação, apenas isso. Outra coisa em que também notei – depois de o livro ter saído, quero dizer – é que Bitter Punch tem uma secção que versa sobre coisas pessoais que me aconteceram a mim, na minha vida. Isso é efetivamente o corte com a observação urbana afastada e distante.
JF: Comparas Bitter Punch a um jogo de boxe, numa entrevista. Gostarias de explicar?
Interesso-me por artes marciais e boxe. Também me apercebi, com Bitter Punch, de que cresci com jogos de palavras. Uso inconscientemente muitos jogos de palavras porque são familiares à criança que eu era. E assim, por vezes, e cada vez mais, vejo semelhanças entre o boxe e o tipo de coisas que eu escrevo, o estilo em que escrevo. Daí a comparação.
JF: Em Transparent Strangers, a cidade de Singapura é um tema recorrente.
Em Transparent Strangers, estava a começar a escrever sobre a experiência de viver numa cidade. Singapura é um sítio urbano, é difícil encontrar uma parte de campo. De certa forma, quando se fala de Singapura ao resto do mundo, tendemos a compará-la com Xangai: ambas são cidades de ritmo intenso, modernas, urbanas. Estava a tentar descobrir aquilo que Singapura tinha que nos tornava diferentes do resto do mundo. Com este contexto alargado, com a globalização, todos os sítios se parecem uns com os outros. Tóquio, Xangai, Singapura, Hong Kong... em Singapura, é através da escrita que tentamos que tentamos cravar o nosso espaço.
JF: O teu primeiro livro foca-se muito em coisas artificiais: arranha-céus, meios de transporte, asteróides, mas também eleições. Parece tecer uma crítica muito subtil e discreta de Singapura (que também poderia ser entendida como construção artificial).
Sem dúvida de que teço a crítica daquilo que a cidade faz nos dois livros. Muitos dos meus poemas retratam o que uma pessoa oriental descreve. Quando se adota essa posição reflexiva, contemplativa, tende-se a ver as coisas boas e más de toda a cidade. E penso que muitas das peças que escrevi em ambos os livros funcionam como resposta a algo que está a acontecer na cidade.
JF: Os arranha-céus refletem a luz – são também um espelho. Acontece o mesmo em poemas como “A Tale of Two Cities”, ou quando mencionas coisas que fazem reflexo. Fizeste com que os poemas girassem à volta deste tema, ou foi o tema que, a uma certa altura, começou a aparecer?
Penso que foi uma coisa orgânica, porque quando comecei a escrever havia uma conjunto de formas soltas e nunca pensei em publicá-las. Foi então que notei que havia coisas em comum, temas em comum que percorriam as peças...
JF: É interessante, porque tens uma perspetiva crítica desta visão da Singapura contemporânea, mas, dada a tua idade, não conheceste a antiga Singapura... os teus pais falam disso?
Os meus pais, sim. Às vezes, temos um sentimento de nostalgia por aquilo que era uma Singapura mais simples, mais natural e mais gentil. Nos últimos anos, o governo tem vindo a reforçar estas narrativas, este sentimento de nostalgia, como forma de unir as pessoas. Por exemplo, nos dias de hoje os vizinhos não costumam interagir muito. Têm vidas muito ocupadas. Assim, o governo quer voltar à ideia da vida de aldeia. Em Singapura, chamamos-lhe kampong. É uma palavra que vem de uma aldeia a sério – Kampong. O espírito Kampong é o espírito comunitário, porque nas aldeias as pessoas vivem em comunidade. E eu escrevo sobre isto. Isto, para mim, é uma tentativa de reaver essa tal nostalgia, de reaver os bons velhos tempos quando as pessoas se importavam umas com as outras, quando havia mais confiança, quando as pessoas não se olhavam com desconfiança...
JF: Consideras que é uma necessidade?
Acho que em Singapura e em muitas outras cidade globais em que vivemos há sempre esta ânsia por mais – sempre maior, melhor, de última geração. E neste aspeto, porque vivemos a um ritmo tão intenso, e que só se vai tornar cada vez mais veloz, há pessoas que ficam para trás. Há grupos que não conseguem acompanhar. Por exemplo, em Singapura o conceito de conservação é estranho. Nós não conservamos nada, verdadeiramente. Quando o fazemos, o que conservamos é fachadas de edificios, e portanto temos casas de lojas chinesas. Mas dentro destas, o âmago do edifício já não é o mesmo. Pode ser um escritório de advogados; pode ser um ginásio...
JF: É verdade! E tenho-me interrogado sobre isso, porque na cultura chinesa é muito importante haver boa energia em certos edifícios. Como é que isto funciona com a nova arquitetura em Singapura?
Nos edifícios de escritórios, tentam aplicar certos princípios o mais possível. Na verdade, a arquitetura de certos edifícios da finança reflete uma determinada superstição. Por exemplo, há um prédio em Singapura que parece um ábaco, que era o que os suanpanschineses usavam para os cálculos antes de inventarem a calculadora.
Também há outras coisas. Por exemplo, em frente do edifício dos impostos há uma fonte, o que para os chineses dá boa sorte. Todas estas pequenas coisas se integram na conceção dos edifícios. E isso, para mim, é outra das ambivalências de Singapura. Por um lado, queremos adotar o estilo cosmopolita, quase ocidental, que vemos em Manhattan, Nova Iorque, e por aí. Por outro lado, há uma sombra onde emergem todas estas superstições tradicionais e antigas, tabus...
JF: Achei que a Flower Dome era interessante porque Singapuraera a floresta. Então, se se destruiu a floresta, constrói-se uma redoma em seu lugar e conservamos a floresta dentro de um edifício!
A Flower Dome é uma coisa de ficção científica. É muito estranha... foi construída em terra recuperada ao mar. Assim, na terra em si, antes ainda de haver plantas nativas, havia vegetação que foi dizimada. Depois trouxeram-se plantas e flores não nativas e artilharam tudo com imensa tecnologia, para haver ar condicionado. E depois mostram-na ao mundo. Aquilo é como se fosse um jardim muito bem arranjado numa ilha tropical.
JF: É verdade! Eu gostei muitíssimo do jardim botânico. No entanto, a contradição é a mesma, porque vi orquídeas e pensei, “Uau, elas aqui crescem bem!” E depois apercebi-me de que as orquídeas vieram para aqui muito tardiamente, já no século XX. Interrogo-me sobre o que aconteceu às plantas que aqui estavam. É o mesmo tipo de contradição: inventam-se símbolos, como a orquídea, o Merlion, que parecem...
… representar esta contradição.
JF: Que outros interesses tens?
Hmmm, gosto de fazer bolos e pão de vez em quando.
JF: E que bolos faz?
Agora faço pãezinhos de leite/bolinhas. Costumava fazer bolos e bolachas.
JF: Sabe fazer aqueles bolos de lua que tenho visto em Singapura?
Não, não…
JF: São lindos.
Mas há dois tipos de bolos de lua: há o frio, o gelado/refrigerado; e há o cozido no forno. Os frios são normalmente mais coloridos porque não são cozinhados de forma nenhuma.
JF: Só provei o cozido… como é que se fazem os símbolos?
There is a mould. They usually use a plastic for the mould. The more filling… the better. But there are more things. Glutinous rice, which is kind of like a chewy gummy thing - that forms the outside skin – and then put in the filling, pack it, chill it and then it forms that shape with that general mould. The one that requires more skills is the baked one.
Há uma forma. Normalmente, usa-se um plástico na forma. Quanto mais recheio, melhor. Mas há mais coisas. Arroz gelatinoso, que parece uma espécie de pastilha elástica espessa – que é a película exterior – e depois põe-se o recheio, embrulha-se, refrigera-se e é isso que faz a forma. Aquele que exige mais técnica é o cozido.
JF: Sim, vou tentar encontrá-los online. Não vi a forma à venda... talvez se consiga encontrar na Chinatown...
Na Chinatown ou talvez em casas de chá especializadas.
JF: OK. E que outra pastelaria gosta de fazer?
É só isto, na verdade. Recentemente, fiz... há uma coisa brasileira com queijo que é um “pão” ou algo assim...
JF: “Pão de queijo”?
É isso mesmo!
JF: É difícil de fazer? Tem de ficar mole no meio.
A receita que eu tenho diz que é só para pôr todos os ingredientes numa misturadora e depois misturar. E depois leva-se ao forno até crescer.
JF: Tem de ir a Portugal conhecer as nossas receitas de pão e bolo.
Quando é que é uma boa altura para visitar Lisboa?
JF: Maio, por exemplo. É um mês encantandor porque não chove e a temperatura é muito amena.
Traduzido por Rita Faria