Carnac
Maria S. Mendes
Carnac, de Guillevic
Mer au bord du néant,
Qui se mêle au néant,
Pour mieux savoir le ciel,
Les plages, les rochers,
Pour mieux les recevoir.
*
La mer comme un néant
Qui se voudrait la mer,
Qui voudrait se donner
Des attributs terrestres
Et la force qu’elle a
Par référence au vent.
*
Mais tu sais trop qu’on te préfère,
Que ceux qui t’ont quittée
Te trouvent dans les blés,
Te recherchent dans l’herbe,
T’écoutent dans la pierre,
Insaisissable.
*
La fille qui viendrait
Serait la mer aussi,
La mer parmi la terre.
Le jour serait bonté,
L’espace et nous complices.
Nous apprendrions
A ne pas toujours partir.
*
Ce qui fait que la morte est morte
Et moi vivant,
Ce qui fait que la morte
Se tient plus loir qu’auparavant,
Océan, tu te poses
Des questions de ce genre.
*
Je sais qu’il y a d’autres mers,
Mer du pêcheur,
Mer des navigateurs,
Mer des marins de guerre,
Mer de ceux qui veulent y mourir.
Je ne suis pas un dictionnaire,
Je parle de nous deux
Et quand je dis la mer,
C’est toujours à Carnac.
*
Nulle part comme à Carnac,
Le ciel n’est à la terre,
Ne fait monde avec elle
Pour former comme un lieu
Plutôt lointain de tout
Qui s’avance au-dessous du temps.
*
Le vent vient de plus bas,
Des dessous du pays.
Le vent est la pensée
Du pays qui se pense
A longueur de sa verticale.
Il vient le vérifier, l’éprouver, l’exhorter,
A tenir comme il fait
Contre un néant diffus
Tapi dans l’océan
Qui demande à venir.
*
Les herbes de Carnac
Sur les bords du chemin
Sont herbes d’épopée
Que le repos ne réduit pas.
*
Que dis-tu de ce bleu
Que tu deviens sur les atlas?
As-tu parfois rêvé
De ressembler à ça?
*
Le déserte et toi –
C’est le sable.
La montagne et toi, la haute montagne,
C’est le vent.
Mais dans le désert,
Dans le vent sur la montagne,
Elle n’y est pas,
Ta volonté.
*
Pour garder tes nuits,
As-tu supplié
Parfois les rochers?
*
Autant que les maisons,
Les gens s’abandonnaient.
Il y avait parfois tant de vent
Que le temps n’était pas pesant.
Mais le vent
Camouflait le temps.
*
Tous les paysages
Qu’il a fallu voir.
Tous les paysages
Où tu n’étais pas
Et qui t’accusaient
De n’y être pas.
*
Il s’est passé quelque chose à Carnac,
Il y a longtemps.
Quelque chose qui compte
Et tu dis, lumière,
Qu’il y a lieu
D’en être fier.
Guillevic, Carnac, 1961. Gallimard: Paris, 2007.
Carnac, de Guillevic, tradução de Pedro Mexia
Mar à beira do nada,
confundido com o nada,
para melhor conhecer o céu,
as praias, os rochedos.
Para melhor os receber.
*
O mar como um nada
que queria ser mar,
que queria possuir
atributos terrestres
e a força que o mar tem
e que vem do vento.
*
Sabes bem que te preferimos.
Que mesmo aqueles que te deixaram
te encontram nos trigos,
te procuram na erva,
te ouvem na pedra,
e que nunca te alcançam.
*
A rapariga que viesse
seria o mar também,
o mar no meio da terra.
O dia seria bondade,
O espaço, nosso cúmplice.
Aprenderíamos
a não nos separarmos.
*
O que faz com que a morta esteja morta
e eu vivo,
o que faz com que a morta
esteja agora mais distante.
Oceano, fazes
perguntas assim.
*
Sei que há outros mares,
mar do pescador,
mar dos navegadores,
mar dos marinheiros de guerra,
mar dos que querem morrer no mar.
Mas não sou um dicionário,
falo de ti e de mim,
e quando digo o mar,
é sempre Carnac.
*
Em parte alguma como em Carnac
o céu está na terra
e faz mundo com ela
para formar um lugar
como que longe de tudo
e que avança por baixo de tempo.
*
O vento vem de baixo,
do país de baixo.
O vento é o pensamento
do país que se pensa
verticalmente.
Vem para o verificar, testar, desafiar
a que continue como tem feito
contra um nada difuso
escondido no oceano
que está para vir.
*
As ervas de Carnac
à beira da estrada
são ervas de epopeia
que o descanso não desfaz.
*
Que dizes tu deste azul
em que num atlas te transformas?
Já sonhaste às vezes
seres assim azul?
*
O deserto e tu:
a areia.
A montanha e tu, a alta montanha:
o vento.
Mas no deserto,
no vento da montanha,
falta ainda
a tua vontade.
*
Para que guardassem as tuas noites
já suplicaste
às vezes aos rochedos?
*
Tanto quanto as casas,
as pessoas abandonavam-se.
Havia às vezes tanto vento
que o tempo não tinha peso.
Mas o vento
escondia o tempo.
*
Todas as paisagens
que era urgente ver.
Todas as paisagens
onde não estavas
e que te acusavam
de não estares.
*
Passou-se qualquer coisa em Carnac,
há muito tempo.
Qualquer coisa que conta.
E tu dizes, luz,
que há razão
para ter orgulho.
Nota do tradutor:
Poema fundamental na obra de Guillevic (1907-1997), Carnac convoca paisagens e mitologias da comuna homónima, na Bretanha, onde o poeta nasceu. Descritiva e evocativa, esta sequência de poemas breves, sóbrios, tensos, tem uma dimensão biográfica (a solidão e a pobreza, a dureza das relações interpessoais, a jovem amada precocemente morta) mas transfigura as coisas vistas em coisas inauditas.
Há uma espécie de “materialismo místico” neste poeta que foi quase toda a vida comunista [a expressão é de John Montague, que traduziu “Carnac” para inglês]. À paisagem da infância e adolescência é atribuída uma força panteísta, pré-histórica, genesíaca. Rochedos, vento e oceano são ao mesmo tempo objectos e presenças, uma coisa e uma alteridade, um segredo e uma forma de sagrado, uma memória e uma interrogação, uma força e uma comoção, um nada que é tudo. Guillevic, escreveu o crítico Gaëtan Picon, arranca às coisas o que elas sabem a respeito dos homens.
David Mourão-Ferreira traduziu alguns poemas de Carnac numa antologia de Guillevic publicada em 1965 (Poesias, Ulisseia).
Estas versões de poemas do livro homónimo de Guillevic são de Agosto de 2017, em frente ao mar da Figueira da Foz.
Pedro Mexia nasceu em 1972, em Lisboa. Frequenta o programa de doutoramento em Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Escreve no Expresso. Coordena a colecção de poesia da Tinta da China. O seu último livro de poemas intitula-se Uma Vez Que Tudo se Perdeu.