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Vários, Heiner Müller

Traduções

Vários, Heiner Müller

Maria S. Mendes

ERRO DE IMPRESSÃO                             MISPRINT

(a partir de Goethe)

 

Temem os deuses

A raça humana

DRUCKFEHLER                                  MISPRINT

(nach Goethe)

 

Es fürchten die Götter

Das Menschengeschlecht

 

Nota: O poema de Müller parte de dois versos de Ifigénia na Táurida, de Goethe: “Temem os deuses / A raça humana!” [“Es fürchte die Götter / Das Menschengeschlecht!”]. Segundo Kristin Schulz, terá sido escrito em 1992 (Heiner Müller, Warten auf der Gegenschräge. Gesammelte Gedichte, ed. Kristin Schulz. Berlin: Suhrkamp, 2014, pp. 348 e 620). Gosto deste poema porque é do carraças.


MASTIGO A DIETA DA MORTE

Sabe

À última

Endoscopia nos olhos dos médicos

Abria-se a minha sepultura Por um lado comovia-me

O luto dos especialistas e por outro lado

Estava orgulhoso do meu invicto

Tumor

Por um momento carne

Da minha carne

 

12/12/1995

ICH KAUE DIE KRANKENKOST DER TOD

Schmeckt durch

Nach der letzten

Endoskopie in den Augen der Ärzte

War mein Grab offen Beinahe rührte mich

Die Trauer der Experten und beinahe

War ich stolz auf meinen unbesiegten

Tumor

Einen Augenblick lang Fleisch

Von meinem Fleisch

 

12.12.1995

 

Nota: Heiner Müller morreu de cancro em 30 de dezembro de 1995. O poema, reconstruído posteriormente a partir de notas manuscritas, surge nesta forma apenas na edição da poesia que faz parte das obras completas (Heiner Müller, Werke 1: Die Gedichte, ed. Frank Hörnigk. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 325). Numa edição posterior e mais completa (Heiner Müller, Warten auf der Gegenschräge. Gesammelte Gedichte, ed. Kristin Schulz. Berlin: Suhrkamp, 2014, p. 430), nota-se mais claramente o estado fragmentário do material, interpolado por uma série de versos que não aparecem no texto aqui traduzido. Na versão mais recente, faltam ainda vários dos versos (nomeadamente a partir de “e por outro lado”). Gosto deste poema também porque, em termos canónicos, deixou de existir.


Vai Ariel silencia

            a tempestade e

atira os quebrantados para a praia

                        Preciso deles

vivos, para que os possa matar

 

Mir.[anda:]              Pai

            porquê

Geh Ariel bring den Sturm

zum Schweigen und

wirf die Betäubten an den Strand

                        Ich brauch sie

lebend, damit ich sie töten kann

 

Mir.[anda:]              Vater

            warum

 

Nota: Este fragmento poético, como o anterior, resulta parcialmente de trabalho editorial. Inicialmente colocado no fim da edição dos poemas no contexto das obras completas de Müller, foi mais tarde reclassificado como um fragmento dramático, possivelmente parte de uma adaptação de The Tempest, de Shakespeare. Compare-se Heiner Müller, Werke 1: Die Gedichte, ed. Frank Hörnigk. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998, p. 328, com Heiner Müller, Warten auf der Gegenschräge. Gesammelte Gedichte, ed. Kristin Schulz. Berlin: Suhrkamp, 2014, p. 431. Segundo Kristin Schulz (p. 651), terá sido escrito depois de 20/12/1995. Gosto deste poema porque, apesar de já não ser um poema, continua a ser uma conclusão apropriada para uma colecção da poesia de Müller.

Miguel Ramalhete Gomes


Miguel Ramalhete Gomes encontra-se no ponto exacto entre dois empregos. Ou seja, está desempregado. Foi bolseiro de pós-doutoramento da FCT na FLUP, com um projeto sobre Shakespeare, no tempo da austeridade. Felizmente é poupadinho, embora não nas palavras.