Fragmentos
Maria S. Mendes
Fragmento 168B, tradução de Margarida Assis
Já mergulhou a lua
e com ela as Plêiades; vai a noite
a meio, as horas passam:
na minha cama, apenas eu.
Fragmento 168B, Safo
δέδυκε μὲν ἀ σελάννα
καὶ Πληΐαδες, μέσαι δὲ
νύκτες, παρὰ δ’ ἔρχετ’ ὤρα,
ἔγω δὲ μόνα κατεύδω.
Fragmento, tradução de Margarida Assis
Vem a noite com o vento húmida, imóveis as ruas da cidade,
ausente o meu senhor, lá longe: sumo gozo desta cintura endiabrada.
Fragmento de Jaghanacapalā
दुर्दिननिशिथपवनेनिःसंचारासुनगरवीथिषु।
पत्यौविदेशयातेपरंसुखंजघनचपलायाः।।
durdinaniśithapavane niḥsaṁcārāsu nagaravīthiṣu
patyau videśayāte paraṁ sukhaṁ jaghanacapalāyāḥ
Todas as opções desta tradução procuram responder à dinâmica de diálogo que se estabelece entre os dois poemas: se, por um lado, ambos podem parecer à primeira vista formas do mesmo lugar-comum, a síndrome de António Variações, ou “Estou Além”, sendo o segundo, em que uma mulher casada prefere dormir sozinha, uma reacção ou resposta irreverente ao primeiro, em que uma mulher sozinha preferiria dormir acompanhada, na verdade em Jaghanacapalā não há um lamento, pelo contrário. Em Safo o tempo é inexorável, a noite vai; em Jaghanacapalā (cujo nome, aliás, quer dizer literalmente aquilo que traduzi por “cintura endiabrada”) a noite vem, e confunde-se com ela, extasiada pela ausência do marido – e parece não haver prazer maior do que esse, nem mesmo o de não ser casada. Assim, em vez de imaginarmos que uma mulher mais velha, ou que uma versão mais velha de si mesma, consola Safo e sabiamente lhe recomenda que aproveite a cama vazia, que é a ausência de um “senhor” – a liberdade, afinal –, talvez devamos antes ver a perversidade hostil de quem não só exibe a sua alegria em resposta a um queixume, como ainda o faz desprezando o objecto de cobiça de quem se sente desgraçado por não o ter, como uma vitória fácil…
Margarida Assis
Margarida Assis frequenta o mestrado em Culturas e Línguas da Antiguidade na Facultat de Filologia da Universitat de Barcelona. Gosta de traduzir textos enquanto ouve Zeca Pagodinho. Colabora com o Cine Clube de Viseu há muitos anos, e tem um carinho especial pela revista Argumento, que continua a editar à distância. Usa versos como palavras-passe.