Maria Sequeira Mendes
Nuno Amado
Something old,
something new,
something borrowed,
something blue,
and a silver sixpence in her shoe.
Parecerá talvez estranho afirmar que o modo como leio poemas – note-se que não estabeleço regras gerais – toma por empréstimo uma rima antiga sobre o que as noivas devem usar no dia do seu casamento. Relações com poemas poderão, eventualmente, ser mais longas do que certos casamentos, mas nem sempre partem – não se assustem – de pressupostos idênticos. Não interessa, para aqui, a associação entre poemas e matrimónio, mas sim o conselho que esta rima parece conter.
Dizem-nos muitas vezes, e em palavras bem mais complicadas do que estas, que ler um poema é saber pô-lo à conversa com algo antigo, reconhecer nele algo novo, perceber o que pediu emprestado, compreender se tem os azuis, saber que com ele o poeta aspira a mais do que ganhar uma moeda no seu sapato, mas que por vezes nem isso consegue.
De facto, tanto palavreado poderá apenas apontar para o facto de que é mais divertido ler poemas usando-os para chegar a outros poemas, inserindo o talento individual na tradição que o precede. Um exemplo seria o modo como “Dim Lady”, de Harryette Mullen, cujo primeiro verso é “My honeybunch’s peepers are nothing like neon” brinca com o soneto 130 de Shakespeare (“My mistress’ eyes are nothing like the sun”), que por sua vez parodia convenções, ironizando e questionando os sonetos de Petrarca e de Sidney ao apresentar uma amante que não obedecia aos padrões de beleza da época. Mullen usa versos de Shakespeare, mas transforma-os, estabelecendo o contraste entre as cores fortes do néon e da toalha de mesa, o que indica que, tal como a luz “dim”, também a inteligência da sua amada deixa algo a desejar.
A diferença entre “something old” (a conversa com uma tradição) e “something borrowed” (uma citação ou alusão) é subtil, até porque o empréstimo em poesia toma muitas formas. É arguto o crítico que reconhece que “Let them eat chaos”, de Kate Tempest, alude a “Let them eat cake”, a célebre frase de Marie Antoinette, antecipando no título a marcada desaprovação social que o livro descreve. Assim, chegamos ao modo como por vezes intuímos num poema algo novo, sem que o estudo da poesia nos auxilie a encontrar uma pedra-de-toque que justifique tal crença. É, muitas vezes, nesse momento que incorremos na heresia da paráfrase para descrever o azul que nos entusiasmou.
No contexto matrimonial a que as rimas se referem, “something old” descreve o conjunto de objectos que oferecemos a alguém de quem gostamos num dia importante e que caracteriza uma certa fé na vida que vai começar: algo velho servia de protecção aos noivos para o bebé que haveria de chegar, algo novo indicava optimismo para o futuro, um objecto emprestado por outra noiva traria boa sorte, a cor azul simbolizava fidelidade, e a moeda de prata era um símbolo de prosperidade (que, segundo fontes pouco fidedignas, também serviria como amuleto contra as maldições de pretendentes frustrados).
Ao contrário do que muitos noivos parecem pensar, depois de se seguirem os conselhos de “Something Old” não decorre necessariamente um casamento feliz ou inspirado. O mesmo acontece aos que tentam louvar as qualidades de um poema, procurando descrever em palavras caras e métodos complicados o que nele é velho e novo, como se isso fosse garantia de longevidade interpretativa. E, no entanto, “Something old” tem um uso para mim, que é o de me lembrar dele quando encontro poemas de que gostei e sobre os quais gostaria de saber dizer alguma coisa. “Something old” ajuda a perceber que um bom poema, talvez como um bom casamento, é feito de uma mistura de coisas difíceis de descrever e que culminam numa espécie de esperança de futuro ou de posteridade.
O poema tem ainda a virtude de dizer por poucas palavras aquilo que noutros lugares se leva muito tempo a explicar, cumprindo assim outra regra para a boa poesia, de que poderemos falar noutro número especial, descrita pelos seguintes versos anónimos, que se podem encontrar num dos meus livros preferidos, The Oxford Dictionary of Nursery Rhymes, de Iona e Peter Opie:
Pray, Mr. Frog, will you give us a song?
Heigh ho! says Rowley,
Let it be something that’s not very long.
Maria Sequeira Mendes
Maria Sequeira Mendes é professora na FLUL e colabora com o Teatro Cão Solteiro.