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Jorge Almeida

Número Especial

Jorge Almeida

Nuno Amado

Interpretar um poema parece-me não ser mais do que fazer um esforço para prestar atenção àquilo que é ‘estranho’ e singular no poema (uma aliteração surpreendente, uma rima inesperada, etc.), àquilo que é ‘familiar’ (a relação que estabelecemos entre o poema e o nosso conhecimento previamente adquirido), e à necessidade de não se deixar encantar somente pelas virtudes do que é ‘estranho’ ou pelas virtudes do que é ‘familiar’. Feito esse esforço, resta esperar que essa atenção possa ajudar a esclarecer por que é que À Clausura do Bussaco é um soneto e não um vilancete, ou por que é que os versos “Para bailar la Bamba / Se necesita una poca de gracia” me fazem lembrar Santo Agostinho.

Sempre que leio um poema lembro-me de várias coisas. Algumas delas parecem ter semelhanças óbvias com ele (por exemplo, outros poemas), mas existem outras que parecem não ter semelhança alguma e que, ainda assim, me vêm imediatamente à memória, sem que sejam claras as razões para que tal suceda. No caso da canção de Ritchie Valens é a palavra “gracia” que me faz recordar aquilo que Santo Agostinho escreveu sobre a Graça Divina; e, se é verdade que não é absolutamente necessário conhecer as ideias de Agostinho sobre esse conceito teológico para fazer uma boa interpretação da letra da canção, também é verdade que conhecer essas ideias ajuda a perceber por que é que é preciso “una poca de gracia” para dançar La Bamba.

Não se pense, contudo, que perceber por que é que nos lembramos de uma coisa a respeito de outra é um método sempre eficaz para perceber qualquer uma delas. Posso muito bem perceber que o verso “Um nu que se gabava de maroto” me faz lembrar pulgas (porque na minha infância apanhei pulgas com um cão chamado Maroto), sem que isso me ajude a fazer uma boa interpretação desse verso, e que talvez seja mais sensato começar por perceber se naquele verso a palavra “maroto” existe apenas para rimar com “coto”, e não para me fazer recordar um momento concreto da minha vida, nem para me fazer reflectir sobre os perigos derivados das brincadeiras entre crianças e animais, ou, ainda menos, para que possa adoptar, como o método interpretativo mais acertado para analisar esse verso, a mais recente teoria desenvolvida na área dos Animal Studies. É imprescindível, pois, deliberar correctamente sobre as virtudes interpretativas das associações suscitadas por qualquer leitura, de modo a compreender quando é que estas podem ajudar e quando é que estas podem atrapalhar.

Quando leio um poema tento prestar-lhe atenção, aproximando-me e afastando-me dele ao mesmo tempo que me aproximo e me afasto de mim, isto é, do meu conhecimento previamente adquirido. Quando escrevo sobre um poema, tento apenas descrever organizada e ingloriamente o resultado desse esforço, tantas vezes tortuoso e aprazível, na esperança de que as minhas palavras digam mais sobre ele do que sobre mim.

 

Jorge Almeida


Jorge Almeida é licenciado em Estudos Portugueses e doutorando no Programa em Teoria da Literatura (FLUL). Escreve crítica literária no Observador. Sabe de cor um poema de Cesário Verde e versos avulso de outros poetas, mesmo não se tendo esforçado para que isso acontecesse.