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Die Blaue Blume

Poemas de antes

Die Blaue Blume

Nuno Amado

Die blaue Blume, Joseph Von Eichendorff

 

Ich suche die blaue Blume,

Ich suche und finde sie nie,                      

Mir träumt, dass in der Blume                

Mein gutes Glück mir blüh.                              

 

Ich wandre mit meiner Harfe                             

Durch Länder, Städt und Au'n,                           

Ob nirgends in der Runde

Die blaue Blume zu schaun.                                              

 

Ich wandre schon seit lange,                                         

Hab lang gehofft, vertraut                                           

Doch ach, noch nirgends hab ich                                  

Die blaue Blum geschaut.                                         

A flor azul, tradução de Teresa Bartolomei

 

A flor azul eu procuro,

Procuro e nunca encontro,

Sonhando que da flor

A boa sorte me brote.

 

Assim com a minha harpa vagueio

Por países, charnecas e cidades,

Algures, quem sabe,

Com a flor azul me depare.

 

Há muito tempo eu vagueio,

Há muito tempo espero, confio.

Mas, ai, nenhures até agora

A flor azul avistei.

Joseph Von Eichendorff, “Die blaue Blume“ (1818), Es war, als hätt‘ der Himmel die Erde still geküsst: Gedichte. Marixverlag: Wiesbaden, 2014.

O áster lilás claro-escuro de Gottfried Benn não está no poema homónimo por acaso: com ele, o poeta sepulta na carcaça do cocheiro afogado a carcaça da tradição áulica do romantismo alemão, declarando-a morta e enterrada. É com efeito uma asterácea (a centáurea que inunda os campos de trigo maduro) a flor azul consagrada por Novalis e Heinrich Heine como o símbolo mais puro da busca da beleza, do sonho e do sublime.

Os sacerdotes do infinito tinham ido buscar a flor azul aos contos de fadas populares, em que a centáurea aparece como objeto de desejo dos pobres, a quem abre magicamente os olhos para tesouros escondidos de ouro e pedras preciosas, resolvendo-lhes para o resto da vida o problema de como encher a barriga. Com o aristocrático desdém pelas necessidades do dia a dia de quem não precisa de preocupar-se com elas, o poeta romântico redefine as prioridades e faz da flor azul a porta de entrada não para a riqueza material, mas para aquela espiritual, tornando-a emblema da saudade do além, da despedida do aquém.

Assim seja, declara Benn, apenas não esqueçamos que a pequena flor não enche a barriga dos vivos, mas só a dos mortos: o obituário da flor azul torna-se o da poesia, que no mundo devastado dos anos 20 do século XX se vê reduzida a um bêbado caído no canal da Primeira Guerra Mundial.

O questionamento poético-materialista do emblema romântico por antonomásia desenvolvido por Benn não é, contudo, uma novidade absoluta, tendo um antecessor subtil e sardónico neste poema falsamente simples de Joseph von Eichendorff.

Ao pobre músico ambulante que tem na harpa um ganha-pão miserável e precário (inevitável é o reenvio àquela imagem de indigência e desespero irreparáveis que é o “O Homem do Realejo” da Viagem de Inverno de F. Schubert), não é dada outra escolha que não seja a de vaguear pelo mundo, à espera de que lhe saia a “boa sorte”: a flor azul que ele persegue passando de cidade em cidade, de charneca em charneca (as viagens de quem não tem dinheiro são desconfortáveis, pesadas. Nada de matas idílicas: o que ele enfrenta são o mau cheiro e a fria humidade dos pântanos).

Não nos é explicado, e não é possível decidir, se o harpista do poema pensa na flor azul dos poetas ou na dos camponeses: se é o encontro sublime com a arte ou um bocado de conforto material aquilo de que ele há tanto tempo, em vão, está à espera. Tanto pode ser um como o outro, porque a boa sorte do artista é ter inspiração, enquanto a boa sorte do pobre é alcançar a riqueza, e o harpista ambulante é duplamente necessitado. Será pedir demais querer ambas? O mais provável (a flor azul do milagre é negada ao homem comum) será não encontrar nenhuma das duas, continuar indigente e falhado, como a maioria dos artistas que, afinal, são vistos pelos outros (e por si próprios?) apenas como Taugenichts, mandriões bons-para-nada, segundo a irónica e agridoce autodefinição de Eichendorff na sua célebre novela.

Que o leitor não consiga decidir qual é a opção do autor, eis a vitória do poeta. Afinal, a poesia não fará outra coisa que não pôr as pessoas a vaguear atrás de algo que não se sabe bem o que é, mas que é obsessão comum e duradoura na própria inconsistência de símbolo. O milagre do bom poeta, a sua “boa sorte”, é encontrar uma imagem indecifrável e inesquecível que se torne motor de busca poderoso de um objeto inalcançável por não existir senão como imagem de si mesmo.

Este paradoxo foi memoravelmente descrito por Hitchcock, quando explicou, em relação ao cinema – mas podia estar a falar de poesia -, que para ter uma boa história não chega o enredo (assim como para ter um bom poema não chegam as ideias), mas é preciso ter um MacGuffin*: um falcão maltês, uma flor azul, um pacote na bagageira...

 

*Absolutamente a não confundir com um Red Herring, que é o pecado capital do mau poeta.

 

Teresa Bartolomei


Teresa Bartolomei: Italiana, casou com um português por causa de Alemanha maior, o que a levou ao limite “onde a terra se acaba e o mar começa”. Gostando de limites porque dão forma, procura testá-los nos textos em que a palavra não é meio mas fim, dentro do qual o ruído se acaba e o sentido começa.