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Le ciel est par-dessus le toit

Poemas de antes

Le ciel est par-dessus le toit

joana meirim

Quando Verlaine publicou os seus Poèmes saturniens, em 1866, tinha acabado de surgir em França o movimento parnasiano. Théophile Gautier formulara a sua teoria da “arte pela arte” no prefácio de Mademoiselle de Maupin (1835), Leconte de Lisle era o mestre incontroverso no domínio da poesia e nesse mesmo ano tinha sido publicado o primeiro volume de Le Parnasse contemporain. Contra os excessos da sensibilidade romântica, os poetas parnasianos valorizavam o trabalho rigoroso sobre a linguagem, o apuro formal, a prosódia exigente, a rima rica e a escolha da palavra precisa. No entanto, apesar das influências de Gautier e Leconte de Lisle, e também de Baudelaire, Verlaine revelava já nos Poèmes saturniens os seus próprios temas e, sobretudo, o seu próprio tom, feito de melancolia e de tristezas vagas.

Nas recolhas seguintes, Verlaine consolidou a sua concepção duma poesia liberta do intelecto e capaz de reproduzir, por meio das sonoridades e do ritmo, “sensações” e estados de alma experimentados pelo poeta. Para Verlaine, a poesia deveria traduzir impressões, formas vagas e fugidias, paisagens de linhas indefinidas, imagens crepusculares ou outonais, quadros entre o sonho e a realidade, “où l’indécis au précis se joint” (“Art Poétique”). Verlaine foi o poeta da sugestão, porque a sugestão, ao contrário da nomeação directa, deixa ao leitor a possibilidade de imaginar. Foi também o poeta da musicalidade, consignando num célebre verso (“De la musique avant toute chose”) um dos princípios fundamentais da poética simbolista. Sobre ele escreveria mais tarde: “Puis n’allez pas prendre au pied de la lettre l’ ‘Art poétique’ de Jadis et Naguère, qui n’est qu’une chanson après tout; je n’aurai pas fait de théorie” (prefácio à edição de 1890 dos Poèmes saturniens).

Verlaine evita as cadências demasiado conhecidas, desarticula o alexandrino, renuncia à cesura, pratica encavalgamentos, em busca duma “respiração” poética que acompanhe os movimentos da vida interior. Há também na sua poesia uma grande variedade estrófica: dísticos, tercetos, estrofes de cinco, seis, sete ou oito versos, sonetos invertidos (com os dois tercetos antes das quadras), etc. A arte da sugestão e a procura duma forma fluida e musical foram os traços essenciais da obra de Verlaine, situando o autor entre os nomes maiores do Simbolismo francês. Outros perscrutaram a natureza do símbolo e exploraram as “correspondências” entre as diversas sensações ou entre o mundo sensível e o plano do transcendente; ou procuraram a “alquimia do verbo” e a vidência poética através do “desregramento de todos os sentidos”. Tudo isto configurou o Simbolismo francês como um conjunto de poéticas, em vez de uma poética única; mas todos os seus poetas deram grande importância à modulação do verso, às sonoridades, às aliterações e a toda a “sorcellerie évocatoire” de que falava o autor de Les Fleurs du Mal.

A obra de Verlaine reflecte também as várias etapas da sua vida de “poeta maldito”. Depois de Poèmes saturniens, os meses felizes do noivado com Mathilde inspiraram os poemas de La Bonne Chanson. A partir de 1871, porém, a relação com Rimbaud, que os levou a viver temporadas em Londres e Bruxelas, entre separações, constantes viagens, absinto e cenas de bebedeira, marcou uma fase tempestuosa que culminou com o “drama de Bruxelas” e o encarceramento de Verlaine em 1873.

Enquanto Rimbaud compunha Une Saison en Enfer, evocando a ligação com o seu “frère pitoyable”, Verlaine escrevia na prisão de Mons o poema “Le ciel est par-dessus le toit”, um dos mais belos do volume Sagesse (1881):

 

Le ciel est par-dessus le toit

       Si bleu, si calme!

Un arbre par-dessus le toit

      Berce sa palme.

 

La cloche dans le ciel qu’on voit

      Doucement tinte.

Un oiseau sur l’arbre qu’on voit

      Chante sa plainte.

 

Mon Dieu, mon Dieu, la vie est là,

      Simple et tranquille.

Cette paisible rumeur-là

      Vient de la ville.

 

– Qu’as-tu fait, ô toi que voilà

      Pleurant sans cesse,

Dis, qu’as-tu fait, toi que voilà,

      De ta jeunesse?

 

Paul Verlaine, “Le ciel est par-dessus le toit”,SagesseOeuvres poétiques complètes. Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1962.

 

O sortilégio deste poema vem do seu tom meditativo e confessional, do modo como o “eu” se interpela (“ô toi que voilà”) e se recrimina, do poder sugestivo das imagens (o céu, a árvore, o pássaro) e dos sons (o sino, o rumor da cidade), que resumem a vida “simple et tranquille” fora das grades; e também da sua brevidade formal, da harmonia do ritmo e das sonoridades (repare-se no verso “berce sa palme”, cuja forma verbal remete nostalgicamente para o mundo da infância), da alternância do metro (versos de 8 e 4 sílabas) e do efeito de melopeia que resulta da repetição das palavras finais nas rimas (um procedimento que Verlaine usara já em “Il pleure dans mon coeur”). Musicado por Gabriel Fauré, “Le ciel est par-dessus le toit” é a expressão encantatória, delicada e contida, da angústia do “poeta maldito”, dividido até ao fim entre o excesso e o arrependimento, entre o apelo da carne e o misticismo.

Clara Rocha


Clara Crabbé Rocha é professora aposentada da Universidade Nova de Lisboa. Publicou os seguintes livros: O Espaço Autobiográfico em Miguel Torga (1977), Os “Contos Exemplares” de Sophia de Mello Breyner (1978), Revistas Literárias do Século XX em Portugal (1985), O Essencial sobre Mário de Sá-Carneiro (1985; 2.ª ed. revista e aumentada, 2017), Máscaras de Narciso. Estudos sobre a Literatura Autobiográfica em Portugal (1992), Miguel Torga – Fotobiografia (2000; 2.ª ed., 2018), O Cachimbo de António Nobre e Outros Ensaios (2003) e O Essencial sobre Michel de Montaigne (2015). Tem colaborado com artigos de crítica literária em revistas e jornais, dicionários de Literatura e volumes científicos internacionais. Co-organizou o livro Literatura e Cidadania no Século XX (INCM, 2011). Em 2011, a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, organizou a antologia A Caneta que Escreve e a que Prescreve, com a colaboração de Teresa Jorge Ferreira.