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Un Soneto me manda hacer Violante

Poemas de antes

Un Soneto me manda hacer Violante

Nuno Amado

Un soneto me manda hacer Violante,

que en mi vida me he visto en tanto aprieto;

catorce versos dicen que es soneto: 

burla burlando van los tres delante.

 

Yo pensé que no hallara consonante

y estoy a la mitad de otro cuarteto;

mas si me veo en el primer terceto

no hay cosa en los cuartetos que me espante.

 

Por el primer terceto voy entrando

y parece que entré con pie derecho,

pues fin con este verso le voy dando.

 

Ya estoy en el segundo, y aún sospecho

que voy los trece versos acabando;

contad si son catorce, y está hecho.

Lope de Vega, “Un soneto me manda hacer Violante”, Obras Escogidas : Tomo II : Poesias Liricas, Poemas, Prosa Novelas. Aguilar; Madrid, 1961.

Um soneto me faz fazer Violante;

nunca na vida estive tão inquieto;

catorze versos dizem que é soneto,

brinca brincando vão os três diante.

 

Pensei que não achava consoante

e a metade estou deste quarteto;

mas se me vejo no primeiro terceto,

nada há nos dois quartetos que me espante.

 

Pelo primeiro terceto vou entrando,

e parece que entrei com o pé direito,

pois fim com este verso lhe estou dando.

 

No segundo já vou, e até suspeito

que estou os treze versos acabando;

contai se são catorze, e já está feito.

Lope de Vega, “Um soneto me faz fazer Violante”, Antologia da Poesia Espanhola do Siglo de Oro – segundo volume – Barroco, selecção e tradução de José Bento. Lisboa: Assírio & Alvim, 1996.

Este poema não devia ter sido esquecido porque recorda algo que frequentemente se esquece: que um poema é, antes de tudo o resto, um poema. É certo que não é o único poema que o faz, que não foi o primeiro a fazê-lo e que não será o último. Talvez nem seja o melhor da categoria que ficou conhecida como “soneto do soneto”. É, todavia, a harmonia encontrada entre a maneira despudorada com o que o faz e a subtileza com que finge não o fazer que o torna um poema mais interessante do que a maioria daqueles que com ele se parecem. Versos há em que o soneto de Lope de Vega não tem vergonha alguma de ser um meta-soneto e outros em que tem, ou finge ter, vergonha de o ser. Este equilíbrio entre descaramento e delicadeza resulta num poema verdadeiramente memorável.

Uma vez que os versos em que o soneto é descaradamente sobre si próprio são fáceis de identificar, apontarei apenas para aqueles em que o é de forma mais subtil. Logo no segundo verso, o poeta confessa o aperto violento (‘tanto aprieto’) em que se sentiu depois de Violante lhe pedir um soneto. Este aperto sentido (‘inquietação’, na tradução portuguesa) deve-se ao facto de o pedido de Violante encarcerar o poeta numa forma rígida: os catorze versos divididos por dois quartetos e dois tercetos que devem obedecer a um conjunto restrito de esquemas rimáticos (aqui, abba-abba-cdc-dcd). Deste modo, a componente lírica do poema, isto é, a inquietação manifestada pelo poeta, não está, como acontece frequentemente, relacionada com um qualquer tipo de relação existente entre o poeta e a destinatária do poema. No lugar da confissão de sentimentos arrebatados por Violante, encontra-se somente a expressão do desejo de fazer um soneto bem feito e os tormentos daí derivados. Não é a vida, mas sim a arte, que lhe traz problemas. Para desilusão de Violante, que esperaria certamente um poema diferente, é a poesia, e não o sentimento, que perturba o poeta. Deste modo, parece ser possível considerar que o poema é também uma sátira aos sonetos cujo lirismo não consiste em nada mais do que na satisfação de um pedido alheio, semelhante aos que ocorrem nos programas de ‘discos pedidos’.

Porém, uma leitura mais atenta do primeiro verso do segundo quarteto (‘Yo pensé que no hallara consonante’) pode revelar-nos mais coisas. À primeira vista, a rima consoante aqui referida parece dizer apenas respeito ao próprio verso, mas o verso seguinte, ao tratar o quarteto presente por ‘otro cuarteto’ sugere que os dois versos estão a falar de quartetos diferentes. A ‘consonante’ difícil de encontrar parece, então, estar no primeiro quarteto. Ora, dado que o leitmotiv do soneto é o próprio soneto, não é de todo impossível que a intenção de aludir à rima ‘consonante’ fosse prévia à intenção de nomear a suposta requisitante do poema, ‘Violante’. Assim, a tarefa aparentemente mais complicada desta rima consoante parece ser a de ‘achar’ um nome que rime com ‘consonante’. Esta confessada dificuldade em achar o primeiro verso acaba por ser uma confissão da artificialidade que está na origem do soneto. É muito provável que o pedido de Violante não tenha existido deveras e que não seja mais do que um artifício poético. Ao contrário do que disse acima, o impulso original não foi então um impulso alheio ao poeta, pois não foi Violante que mandou fazer um soneto, mas o soneto que mandou que uma ‘Violante’ mandasse fazer um soneto. Fica claro que foi o poeta que causou o aperto em que se viu, o que faz com que o soneto seja ainda mais sobre si próprio do que já tão manifestamente é.

Tudo isto lembra os mais esquecidos que, em última análise, um poema é sempre sobre os sarilhos em que os poetas se metem quando se metem a escrever poemas.

Jorge Almeida


Jorge Almeida é licenciado em Estudos Portugueses e doutorando no Programa em Teoria da Literatura (FLUL). Escreve crítica literária no Observador. Sabe de cor um poema de Cesário Verde e versos avulso de outros poetas, mesmo não se tendo esforçado para que isso acontecesse.