Poemas de Edwin Thumboo
Maria S. Mendes
Edwin Thumboo, considerado o pai da poesia de Singapura, é conhecido por escrever sobre assuntos nacionais. Alguns dos versos dos seus poemas, como por exemplo de ‘Ulysses by the Merlion’, têm sido comparados aos de Yeats sobre a Irlanda. Para este número, seguimos o conselho de Cyril Wong e Gwee Li Sui e fomos à procura dos poemas íntimos, e menos conhecidos, de Thumboo, nos quais o tom nacionalista desaparece e dá lugar a versos inesquecíveis como ‘Outside our thunders quarrel’. Thumboo autorizou amavelmente a que os Jogos Florais publicassem ‘Evening’ e, retirado do seu livro mais recente, A Gathering of Themes ,‘Envy’.
Crepúsculo, traduções de Ana Castro
para Chin
i.
Dentro da tempestade, um quarto;
Dentro do quarto uma calma singular:
Dentro dum ponto suavemente gradual
Estende-se a intersecção de dois seres.
Num canto, uma ameaça de sombras
Mistura-se com restos de memórias por esquecer
Canções, promessas, apostilas.
O zumbido do ar condicionado
Ameaça a luz furtiva das janelas.
Lá fora, os nossos trovões discutem.
Tudo é familiar, parado.
Apesar da união e do espírito,
Não penso em ti, meu paradoxo.
Chego livre no olho do ciclone,
Floresço além da saciedade do sexo,
Da memória antiga, pungente, do sangue.
Não me mexo, mas luto contra
Céus turvos, dissolventes, raios certeiros,
Nuvens arcaicas que brigam e perdem.
Não me mexo, mas lanço-me para
Alcançar a linha pura do horizonte.
Contudo, à medida que regressas
Ergue-se de novo o arco-íris;
O sol, reclinado,
Esclarece, reflete, ordena.
Mudam então os acordes;
Reajustam-se metáforas e pausas.
Por um momento, sou
Liberto, meu paradoxo.
ii.
Não te movas: os membros colados
Contra o tempo. O teu lamento
Reacende em fogo lento
A fome paciente dos meus olhos.
E quando nos voltamos na prisão
Feita pelos corpos, e descobrimos um mar
Sem maré nem duração,
Uma amarra vem-nos libertar.
Evening, Edwin Thumboo
for Chin
i.
Within the storm, a room;
Within the room a special quiet:
Within the softly gradual point
Intersecting selves reflate.
In one corner, a threat of shadows
Mixing with half-remembered remnant
Chants, codicils, footnotes, old infinities.
The air-con’s goblin hum
Shakes the window’s furtive light.
Outside our thunders quarrel.
All is familiar, poised.
I do not think of you, my paradox,
Though the mood proclaims
And you inhere.
I come free in the eye of the storm,
Flourish beyond the limb’s appeasement,
The blood’s sharp, rooted memories.
I do not move, but move against
Grey dissolving skies, clean lightning,
Jurassic clouds that war and break.
I do not move, but move to
Grasp the horizon’s one simple line.
Yet as you return
The broken rainbow forms again;
The sun, resting on its elbow,
Speaks with surety, ruminates, decrees.
So the great and little chords shift;
So the metaphors and pauses re-arrange.
So for a moment I am
Released, my paradox.
ii.
Do not move: our limbs hold
Against expectancy. Your sighs
With quiet fires again unfold
The patient hunger in my eyes.
And when we turn within the cage
Our bodies make, and find a sea
With neither tide nor age,
An act of bonding sets us free.
Edwin Thumboo, “Evening”, A Third Map: New and Selected Poems. Singapore: UniPress, Centre for the Arts, National University of Singapore, 1993.
Ciúme
Já não invejo o sol quente
que te abraça. Nem a
chuva insinuante a escorrer-
-te pela blusa. Nem o lábio sensual
do copo colado à tua sede.
Ou a tua sombra, sempre contigo.
Uma tarde parámos num instante
inesperado de calma, fresco
e fugaz. Reencontro.
Então a lua-certa ergueu as nossas sombras
com a intensa precisão da luz.
Elas começaram a contar estrelas cadentes.
Nós observamos, vão de mão dada,
caminham. Param para ouvir o mato.
Surpreendem um casal de grilos.
Depois partilham um sussurro, uma intenção,
um sentimento, uma vontade, suave como a tarde.
Dois sendo um só, guardando o instante,
claramente para os quatro-feitos-dois, para nós.
Envy
I no longer envy that hot
sun embracing you. Neither
the impish rain creeping through
your blouse. Nor the sensuous lip
of the cup clinging thirstily.
Or your shadow, always with you.
One evening we stop in a patch
of unexpected stillness, cool
and temporary. A renewing touch.
Then the sure moon, brim-full with
precise light, roused our shadows.
They started counting dimming stars.
Then we watched them, hand in hand,
walk ahead. Stop to listen to a bush.
Pin-point where a pair of crickets chirped.
Then they shared a whisper, a thought,
a feeling, a wanting, soft as the evening.
Two-in-one, foreclosing the moment,
distinctly for the four-in-two, for us.
Edwin Thumboo, A Gathering of Themes. Singapore: Ethos Books, 2018.
Edwin Thumboo é Professor Emérito na Faculdade de Artes e Ciências Sociais da National University of Singapore. Considerado o pai da poesia de Singapura, é conhecido por escrever sobre assuntos nacionais. Alguns dos versos dos seus poemas, como por exemplo de ‘Ulysses by the Merlion’, têm sido comparados aos de Yeats sobre a Irlanda. Recebeu o Southeast Asia Write Award (1979) e o Cultural Medallion for Literature (1980), entre outros prémios.
Ana Castro tinha 10 anos no 25 de Abril. Trabalha nas obras.