Vários, Harryette Mullen
Maria S. Mendes
Poemas de Harryette Mullen, traduções de Margarida Vale de Gato
All she wrote
Forgive me, I’m no good at this. I can’t write back. I never read your letter. I can’t say I got your note. I haven’t had the strength to open the envelope. The mail stacks up by the door. Your hand’s illegible. Your postcards were defaced. “Wash your wet hair”? Any document you meant to send has yet to reach me. The untied parcel service never delivered. I regret to say I’m unable to reply to your unexpressed desires. I didn’t get the book you sent. By the way, my computer was stolen. Now I’m unable to process words. I suffer from aphasia. I’ve just returned from Kenya and Korea. Didn’t you get a card from me yet? What can I tell you? I forgot what I was going to say. I still can’t find a pen that works and then I broke my pencil. You know how scarce paper is these days. I admit I haven’t been recycling. I never have time to read the Times. I’m out of shopping bags to put the old news in. I didn’t get to the market. I meant to clip the coupons. I haven’t read the mail yet. I can’t get out the door to work, so I called in sick. I went to bed with writer’s cramp. If I couldn’t get back to writing, I thought I’d catch up on my reading. Then Oprah came on with a fabulous author plugging her bestselling book.
Tudo o que ela escreveu
Desculpa, não sou nada boa nisto. Não consigo escrever uma resposta. Nunca li a tua carta. Receio bem não ter recebido o teu bilhete. Não tive coragem de abrir o envelope. O correio amontoa-se à porta. A tua caligrafia é ilegível. Os teus postais não se percebiam bem. “Sedados com tremura?” Qualquer documento que tenhas querido mandar ainda não me chegou. Os serviços não entregaram o pacote aberto. Lamento dizer que não posso corresponder aos teus desejos inexpressos. Não recebi o livro que mandaste. A propósito, roubaram-me o computador. Agora já não posso processar palavras. Sofro de afasia. Acabo de voltar do Quénia e da Coreia. Ainda não recebeste um postal meu? Que queres que te diga? Esqueci-me do que ia a dizer. Ainda não consegui descobrir uma caneta que funcione e parti o lápis. Sabes como é difícil encontrar papel nos dias que correm. Confesso que não tenho reciclado. Nunca tenho tempo de ler o Times. Acabaram-se os sacos de compras e não tenho onde pôr as velhas notícias. Não cheguei a ir ao mercado. Queria recortar os cupões. Ainda não li o correio. Não consigo sair pela porta para trabalhar, pelo que telefonei a dizer que estava doente. Fui para a cama com cãibras de escrever. Não podendo voltar à escrita, pensei que podia pôr a leitura em dia. Depois veio a Oprah com uma autora extraordinária a promover o seu bestseller.
Dim Lady
My honeybunch’s peepers are nothing like neon. Today’s special at Red Lobster is redder than her kisser. If Liquid Paper is white, her racks are institutional beige. If her mop were Slinkys, dishwater Slinkys would grow on her noggin. I have seen tablecloths in Shakey’s Pizza Parlors, red and white, but no such picnic colors do I see in her mug. And in some minty-fresh mouthwashes there is more sweetness than in the garlic breeze my main squeeze wheezes. I love to hear her rap, yet I’m aware that Muzak has a hipper beat. I don’t know any Marilyn Monroes. My ball and chain is plain from head to toe. And yet, by gosh, my scrumptious Twinkie has as much sex appeal for me as any lanky model or platinum movie idol who’s hyped beyond belief.
Dama Parda
Os lumes da minha maluca não são nada como o néon. Os refrescos da Royal são mais coral que o seu beijo. Se o Tide lava mais branco, bazucas mais beges que as dela não há. A sua trunfa eriçada dava um esfregão Bravo de aço. Se vi as cores da moda na revista Marie Claire, nas trombas dela não vejo pó de rougesequer. E os elixires Tantum têm mais frescura que o verdor da axila da minha mais-que-tudo. Gosto quando abre a goela, mas a pop enlatada tem mais ritmo do que ela. Eu cá não me dou com Marilyn Monroes. A minha larica verde é tão feiinha que dói. Mas, fogo, para mim, o sex appeal da minha Choco-Shake mete num chinelo as manequins platinadas e as atrizes de cinema, esterlicadas que faz pena.
Ectopia
A stout bomb wrapped with a bow. With wear, you tear. It’s true you sour or rust. Some of us were sure you’re in a rut. We bore your somber rub and storm. You were true, but you rust. On our tour out, we tore, we two. You were to trust in us, and we in you. Terribly, you tear. You tear us. You tell us you’re true. Are you sure? Most of you bow to the mob. Strut with worms, strew your woe. So store your tears, tout your worst. Be a brute, if you must. You tear us most terribly. To the tomb, we rue our rust and rot. You tear. You wear us out. You try your best, but we’re bust. You tear out of us. We tear from stem to stem. You trouble, you butter me most. You tear, but you tell us, trust us to suture you.
Ectopia
A bomba em bruto com laço de embrulho. Deslaças, dilaceras. Certo o azedume ou verrume. Sabíamos-te, alguns, tão cerce. Amparámos-te greda e pedra. Eras a sério, agora és cinza. Tentámos espairecer, saímos partidos, ambos. Devias ter-te em nós, nós em ti. Rasgas, rompes-nos, esventras atroz. És a valer, dizes. Sério? A tua laia amaina na refrega. Proa a prumo, dor de lastro, vermes-mato. Logo, engole o nó do choro, solta o teu pior. Sê a besta sem pudor. Que lacerante nos rasga. Ao aterro, morteiro, cresce já fedor. Rasgas, fazes-nos ferida. Modelo de vida, fodeste-nos. Rasgas por nós afora. Nós rasgamos troço a troço. A mim principalmente estorvas, turbando-me. Rasgas-nos, mas garantes, haveis de todavia suturar-nos.
Elliptical
They just can’t seem to . . . They should try harder to . . . They ought to be more . . . We all wish they weren’t so . . . They never . . . They always . . . Sometimes they . . . Once in a while they . . . However it is obvious that they . . . Their overall tendency has been . . . The consequences of which have been . . . They don’t appear to understand that . . . If only they would make an effort to . . . But we know how difficult it is for them to . . . Many of them remain unaware of . . . Some who should know better simply refuse to . . . Of course, their perspective has been limited by . . . On the other hand, they obviously feel entitled to . . . Certainly we can’t forget that they . . . Nor can it be denied that they . . . We know that this has had an enormous impact on their . . . Nevertheless their behavior strikes us as . . . Our interactions unfortunately have been . . .
Elíptico
Parece que não há meio de eles… É que deviam esforçar-se mais por… Deviam ser mais… Quem nos dera que não fossem tão… É que eles nunca… É que eles constantemente… É que às vezes eles… É que de vez em quando eles… No entanto, é óbvio que eles… No geral, têm a tendência para… E as consequências disso é que… Parece que não compreendem que… Se ao menos fizessem um esforço por… Mas é sabido que têm dificuldades com… Há muitos que continuam sem perceber que… Alguns são mais esclarecidos mas pura e simplesmente… É evidente que a perspetiva deles tem sido limitada por… Por outro lado, é claro que se acham no direito de… Naturalmente, não nos podemos esquecer que eles… Nem se pode negar que eles… Sabemos que isto teve um impacto extraordinário na sua… Porém, parece-nos que o modo como se comportam… Infelizmente, até agora a maneira como temos interagido…
Present Tense
Now that my ears are connected to a random answer machine, the wrong brain keeps talking through my hat. Now that I’ve been licked all over by the English tongue, my common law spout is suing for divorce. Now that the Vatican has confessed and the White House has issued an apology, I can forgive everything and forget nothing. Now the overdrawn credits roll as the bankrupt star drives a patchwork cab to the finished line, where a broke robot waves a mended tablecloth, which is the stale flag of a checkmate career. Now as the Voice of America crackles and fades, the market reports that today the Euro hit a new low. Now as the reel unravels, our story unwinds with the curious dynamic of an action flick without a white protagonist.
Presente do Indicativo
Agora que as minhas lágrimas estão ligadas a um atendedor automático, o cérebro errado comunica constantemente pelo meu chapéu. Agora que a língua inglesa me lambeu da cabeça aos pés, a minha baba em união de facto pediu o divórcio. Agora que o Vaticano confessou e a Casa Branca emitiu um pedido de desculpas, posso perdoar tudo e esquecer coisa alguma. Agora rebola o crédito malparado enquanto a estrela na bancarrota se dirige para a meta num táxi de trapos costurados, onde um robô avariado agita uma toalha de mesa remendada, que é a bandeira ranhosa de uma carreira cilindrada. Agora enquanto a Voz da América debita intermitentemente, o mercado anuncia que o Euro atingiu uma nova baixa. Agora enquanto se desenrola a bobine, desfia-se a nossa história com a dinâmica singular duma comédia de ação sem um único protagonista branco.
* Traduzido no âmbito do encontro internacional Lisbon Revisited - dias de poesia, Junho 2018, organizado pela Casa Fernando Pessoa.
Margarida Vale de Gato está numa relação aberta com a poesia. É tradutora literária, professora e investigadora na FLUL, nas áreas de Estudos Norte-Americanos e Tradução Literária. Tem publicado ensaios e livros, principalmente sobre Edgar Allan Poe. Publicou poemas em revistas e antologias de repercussões homeopáticas, e os livros Lançamento (Douda Correria, 2016) e Mulher ao Mar (Mariposa Azual, 2010), cuja terceira edição, Mulher ao Mar e Grinalda, é de 2018.