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État Nouveau, Adília Lopes

Traduções

État Nouveau, Adília Lopes

Nuno Amado

Estado Novo, Adília Lopes

Nos anos 30-40, no colégio de freiras, a professora de Português mandou a minha mãe e as colegas escrever uma redacção sobre o tema da água. É claro que, nesse tempo, o tema da água só podia ser o mar portuguez e o panegírico das Descobertas. A minha mãe descreveu umas cheias enormes em Arroios, no Regueirão dos Anjos, inventadas por ela. Teve má nota.

Mais tarde, para poder ser professora, a minha mãe teve de fazer o exame de Estado. Chumbou. Escrevia maravilhosamente. Não dava erros. Mas saiu uma redacção sobre o Infante D. Henrique e a minha mãe disse mal do Infante D. Henrique, criticou-o por ter deixado o irmão D. Fernando morrer no cativeiro.

Era um tempo, os anos 40-50, em que um aluno de Belas-Artes tinha de saber de cor as dimensões do Mosteiro de Arouca e um aluno das Pedagógicas tinha de saber de cor quantos metros cúbicos deve ter uma sala de aula.

Adília Lopes, “Estado Novo”. Manhã, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015.


État Nouveau, tradução de Rita Novas Miranda

 

Dans les années 30-40, dans le collège des sœurs, l’enseignante de portugais a demandé à ma mère et à ses collègues de faire une rédaction sur le thème de l’eau. Il est clair que, en ce temps-là, le thème de l’eau ne pouvait qu’être celui de la mer portugaise et un panégyrique des Découvertes. Ma mère a décrit des crues énormes à Arroios, dans le Regueirão dos Anjos, qu’elle avait inventées. Elle a eu une mauvaise note.

Plus tard, pour devenir professeur, ma mère a dû passer l’examen d’État. Elle a échoué. Elle écrivait merveilleusement, elle ne faisait pas de fautes. Mais, en fait, la rédaction portait sur l’Infant D. Henrique et ma mère a dit du mal de l’Infant D. Henrique, elle l’a critiqué pour avoir laissé son frère D. Fernando mourir en captivité.

Il fut un temps, les années 40-50, où un étudiant en beaux-arts devait savoir par cœur les dimensions du monastère d’Arouca, et un étudiant en pédagogie devait savoir par cœur combien de mètres cubes une salle de cours doit contenir.


Rita Novas Miranda trabalha sobre as relações entre imagem e escrita, em particular na poesia e no cinema. Em 2016, doutorou-se em Estudos Literários, Culturais e Interartes, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com uma tese sobre Herberto Helder e Jean-Luc Godard, realizada com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Publicou, em 2018, Modos de Ver, Modos de Escrever – Da Imagem e da Escrita em Herberto Helder e em Jean-Luc Godard nas Edições Afrontamento. Colabora com o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, no qual faz parte da equipa internacional LyraCompoetics. Entre 2014 e 2017, foi co-editora da revista ESC:ALA (http://www.escalanarede.com). Em 2019, foi bolseira da Cátedra Cascais Interartes (Fundação D. Luís I, Cascais), com o projecto «Mãos Oblíquas» sobre Ana Hatherly e Herberto Helder. Actualmente, é leitora do Departamento de Português da Université Paris Nanterre e investigadora associada do CRILUS (Centre de recherches interdisciplinaires sur le monde lusophone).