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Aviary

Confinamento

Aviary

Maria S. Mendes

 

 Aviary

birds eye walls

walls eye birds

eye birds walls

eye walls birds 

 

Ian McMillan, “Aviary”, To Fold the Evening Star – New and Selected Poems. London: Carcanet Press, 2016.

 

 

Aqueles de nós que vivem na cidade durante o presente confinamento (já lá vão tantas semanas) conseguem talvez identificar-se com o poema “Aviary”, de Ian McMillan, e a sua descrição de paredes, pássaros e de um “eu”. Ao final do dia (ou ter-se-á passado outra semana?), depois de ter cozinhado, arrumado a casa, corrigido, dado aulas síncronas, assíncronas e de ter falhado aquela receita de pão e aquelas fracções de matemática, olhar para as paredes parece ter-se tornado num dos meus passatempos, uma forma de distracção que é reconhecida pelo poema. 

De “Aviary” podemos dizer que tem um título e quatro versos, cada um formado por três palavras (pássaros, olho e paredes), cuja ordem se vai modificando ao longo do poema. O título é elucidativo: trata-se de um aviário, um recinto onde se guardam aves, que por vezes é conhecido como “gaiola de voo”, dado que tem um espaço maior para que os pássaros voem em liberdade. Algumas gaiolas de voo, como a minha, contêm plantas ou arbustos, de forma a simularem a vida na natureza, algo que não aparece neste aviário. 

A primeira parte do poema é um quiasmo, uma figura de estilo que pode ter o efeito de nos levar a pensar que as palavras criam um efeito de eco (o ruído que resulta das paredes) que amplia a opressão do aviário. Os primeiros versos

 

birds eye walls

walls eye birds

 

dão uma sensação de claustrofobia. Existe alguma reciprocidade entre o modo como os pássaros vêem as paredes e as paredes vêem os pássaros, o que serve para acentuar a forma como estas paredes (ou o olhar) os aprisionam. O jogo entre as palavras do poema demonstra aquilo que os versos descrevem e, deste ponto de vista, “Aviary” é quase performativo, dado que o poema se transforma no objecto que nomeia: uma casa ou uma gaiola para pássaros. Isto é visível tanto no espaço presente na divisão entre versos, como naquele que surge entre as palavras dos versos, simulando as ripas finas do aviário. 

De notar ainda que “eye” também tem o som “I”, o que nos pode levar a pensar que afinal há dois tipos de seres no poema: pássaros / eu /paredes; paredes / eu /pássaros”. Se assim for, estabelece-se uma distinção entre os pássaros que voam para fora das paredes e o “I”, que, afinal, parece estar enclausurado dentro do poema, a olhar para pássaros e paredes, sentindo-se num aviário.  

O primeiro verso esconde um “bird’s eye view”, que consiste na visão de um objecto a partir de cima, como se o observador tivesse a perspectiva do pássaro que mapeia a cidade. O “bird’s eye view” tem lugar de cima para baixo, como se fosse uma espécie de olhar divino, que contrasta com o modo como as palavras do poema prendem os três elementos. Esta visão aérea também é distante e implicitamente neutra. Em

 

eye birds walls

eye walls birds

 

a posição do olho (que pode ser transformado no verbo “olhar”) repete-se: “olho pássaros paredes / olho paredes pássaros”, o que parece sublinhar ou voltar a centrar o poema no olho, na visão que aprisiona. Note-se que “to bird a wall” poderia indicar a capacidade de fazer o pássaro sobrevoar a parede, algo descrito no terceiro verso, que é contudo impossibilitado no último verso do poema. Se “olho” também indica “eu” temos pela frente o responsável por aprisionar os pássaros (eu, pássaros, paredes / eu paredes [aprisiono] pássaros), o que nos leva a retirar o “eu” do poema e a torná-lo novamente responsável por pôr os pássaros no aviário. Em inglês, “birds” também se pode referir aos presos de uma prisão. 

De qualquer modo, um dos motivos pelos quais gosto deste poema deve-se ao facto de ser possível interpretá-lo pelo menos de duas formas: ou temos um pássaro dentro do aviário e alguém que o aprisiona; ou temos um pássaro fora do aviário, que voa ao longe e é observado pela pessoa dentro da prisão. A única coisa que fica clara é que, tal como se percebe logo desde o início do poema, esta parece ser uma prisão de onde não se sai, a não ser que sejamos, claro, capazes de olhar para as paredes e imaginar que o nosso aviário é, na verdade, uma gaiola de voo. 

 

 

Maria Sequeira Mendes


 Maria Sequeira Mendes é professora na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa.