Contact Us

Use the form on the right to contact us.

You can edit the text in this area, and change where the contact form on the right submits to, by entering edit mode using the modes on the bottom right. 

         

123 Street Avenue, City Town, 99999

(123) 555-6789

email@address.com

 

You can set your address, phone number, email and site description in the settings tab.
Link to read me page with more information.

Nunca foi mal nenhum mor

Poemas de antes

Nunca foi mal nenhum mor

Maria S. Mendes

 

Nunca foi mal nenhum mor

 

Nunca foi mal nenhum mor

nem no há aí nos amores

que a lembrança do favor,

no tempo dos desfavores.

 

Eu por minha má ventura

não há já mal que não visse,

mas nunca tanta tristura

me lembra que ainda sentisse.

Fui e sou grande amador

e vai-me bem mal de amores

e muitos vi de grão dor,

mas esta é suma das dores.

 

Bernardim Ribeiro, “Nunca foi mal nenhum mor”,Obras de Bernardim Ribeiro, organização, introdução e notas de Helder Macedo e Maurício Matos. Lisboa: Editorial Presença, 2010.

 

Este poema não devia ter sido esquecido porque evoca o poder da memória e a presença constante desta na nossa identidade e na nossa vida.

Novamente uma cantiga da autoria de Bernardim Ribeiro, o poeta cerebral das dores de amor e da filosofia existencial. O mote afirma que a maior dor é, nas fases da vida em que passamos por dificuldades, lembrarmo-nos de um passado em que a felicidade esteve a nosso lado. O par antonímico “favor”/”desfavor” é uma belíssima escolha para definir a dor de evocar tempos felizes que já acabaram. 

Gosto muito deste poema porque constato ser um antecedente fundamental de muitas outras obras que me ensinaram a importância absoluta da memória do passado na vida presente – Sôbolos rios que vão, de Camões; a voz de Amália a cantar “triste quero viver pois se mudou/em tristeza a alegria do passado”, num poema que alguns dizem ser também da autoria de Camões; o livro de Sophie Call Doleur Exquise, em que, em contagem decrescente e em forma de diário, a artista fala da dor da separação num processo de constante lembrança dos tempos felizes – neste dia, faltavam 92 dias para a dor. 91 dias. 90 dias. E etc. Os tempos felizes são, no fundo, a felicidade pateta da ignorância até algo ou alguém estragar tudo.

Este poema é também uma pérola linguística. Escrito numa época “crítica” do português médio, em que a língua procurava formas estáveis mas ainda exibia oscilação (Cardeira 2012) [1], a cantiga exibe a  insuperável palavra “tristura” em vez de tristeza, que outras composições do Cancioneiro escolhem. De facto, a fase de elaboração de uma língua dá muito jeito ao ofício de poeta, especialmente quando se trata de arranjar rima para “má ventura”. Mais alguns anos volvidos, e já Bernardim teria de dar outras voltas à cabeça.

Também o uso de “amador”, aqui usado no seu pleno sentido etimológico, decorrente de “amar” e “amor”, é inesquecível. “Fui e sou grande amador” parece quase um pleonasmo propositado, com muita personalidade.

E enfim, gosto deste poema porque, como mais tarde diria um outro enorme poeta, “o bem passado/ não é gosto mas é mágoa”. Uma grande verdade da vida, quer queiramos, quer não.

 

Rita Faria

[1]Cardeira, E. (2012). “O Cancioneiro Geral na perspectiva do linguista”. Ribeiro, C. A. & S. R. de Sousa (eds). Cancioneiro Geralde Garcia de Resende: Um Livro à Luz da História. V.N. Famalicão: Edições Húmus, pp. 45 – 49.


Rita Faria é professora na Universidade Católica Portuguesa, não sabe fazer mais nada sem ser ler e escrever e não quer fazer mais nada sem ser ler e escrever. Fora isto, gosta de filmes de terror, vampiros, fantasmas e zombies em geral. E considera que o português é a língua mais engraçada do mundo.