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Poemas de antes

Filtering by Tag: Rita Faria

Cantiga, partindo-se

Maria S. Mendes

Mas a língua portuguesa – “nunca tam tristes vistes/outros nenhuns por ninguém” – essa, resplandece e dá ao poema a sua belíssima singularidade, criando ao mesmo tempo um efeito de simplicidade musical que faz com que toda a gente goste deste poema quando o lê (penso eu).

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Ó montes erguidos

Maria S. Mendes

Este poema não devia ter sido esquecido porque não é apenas sobre o amor entre duas pessoas, ou sobre amor não correspondido, ou sobre amor carnal ou neo-platónico – é também, ou até principalmente, acerca do amor e a ânsia que se podem sentir sobre uma “terra”.

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S’obedecera a rezam

Sara Carvalho

Este poema não devia ter sido esquecido porque é uma breve e melodiosa constatação de uma verdade que qualquer pessoa já sentiu e que provavelmente sente todos os dias: a cabeça não vive sem corpo, e este impõe a sua vontade muitas vezes. Camões cantava honestamente e sem rodeios “espera um corpo de quem levas a alma”.

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Ó meus castelos de vento

Maria S. Mendes

Este poema nunca devia ter sido esquecido (e provavelmente não foi) porque cruelmente descreve o confronto entre aquilo que somos e aquilo que gostaríamos de ser. O que gostaríamos de ser são os castelos de vento; o que somos é “fraco entendimento”, e castelos desfeitos. É, pois, um poema cruel.

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Lion of Philosophy

Maria S. Mendes

「てつがくのライオン」

"Lion of Philosophy" (“Tetsugaku no Lion”)

 

ライオンは「てつがく」が気に入っている。

Lion is fond of "Philosophy".

 

かたつむりが、ライオンというのは獣の王で哲学的な様子をしているものだと教えてくれたからだ。

That's because Snail kindly told him that a lion is King of Beasts who should look philosophical.

 

きょうライオンは「てつがくてき」になろうと思った。

Today Lion thought he would be "philosophical".

 

 哲学というのは座り方から工夫した方がよいと思われるので、尾を右にまるめて腹ばいに座り、前肢(まえあし)を重ねてそろえた。

He thought that this philosophy thing would seem better when one contrives a way to sit, so he sat on his belly with his tail curled to the right, and placed his paws on top of each other.

 

 首をのばし、右斜め上をむいた。尾のまるめ具合からして、その方がよい。尾が右で顔が左をむいたら、でれりとしてしまう。

He then stretched his neck, and looked up to the right. This is a better way, judging from the way the tail is curled. If the tail goes right and the face goes left, he would end up looking spoony.

 

ライオンが顔をむけた先に、草原が続き、木が一本はえていた。

Beyond where Lion’s face was pointed to, there were miles of fields, with one lone tree standing.

 

ライオンは、その木の梢を見つめた。梢の葉は風に吹かれてゆれた。ライオンのたてがみも、ときどきゆれた。

Lion stared at the branches of the tree. The leaves on the branches swayed in the wind. Lion's mane also swayed from time to time.

 

 (だれか来てくれるといいな。「なにしてるの?」と聞いたら「てつがくしてるの」って答えるんだ)

(I wish somebody would come. When they ask me "What are you doing?", I will reply, "I'm doing philosophy".)

 

ライオンは、横目で、だれか来るのを見張りながらじっとしていたがだれもこなかった。

Lion stayed still, watching in the corner of his eye if somebody would come, but nobody came.

 

 日が暮れた。ライオンは肩がこってお腹がすいた。

The dusk had fallen. Lion had stiff shoulders and he became hungry.

 

 (てつがくは肩がこるな。お腹がすくと、てつがくはだめだな)

(Philosophy gives me stiff shoulders. When I'm hungry, philosophy is no good.)

 

きょうは「てつがく」はおわりにして、かたつむりのところへ行こうと思った。

He thought he'd finish with "philosophy" for today, and go over to Snail.

 

 「やあ、かたつむり。ぼくはきょう、てつがくだった」

"Hi Snail. I was philosophy today."

 

 「やあ、ライオン。それはよかった。で、どんなだった?」

"Hi Lion. That's great to hear. And how was it?"

 

 「うん、こんなだった」

"Yeah, it was like this."

 

ライオンは、てつがくをやった時の様子をしてみせた。

Lion showed him how he was when he did philosophy.

 

さっきと同じように首をのばして右斜め上を見ると、そこには夕焼けの空があった。

Just like a few moments ago, he stretched his neck and looked up to the right, and then there was the sunset sky.

 

 「ああ、なんていいのだろう。ライオン、あんたの哲学は、とても美しくてとても立派」

"Oh how wonderful it is! Lion, your philosophy is so beautiful and so magnificent!"

 

 「そう?・・・とても・・何だって?もういちど云ってくれない?」

"Really? You said what? Could you tell me that again?"

 

 「うん、とても美しくて、とても立派」

"Sure, so beautiful and so magnificent!"

 

 「そう、ぼくのてつがくは、とても美しくてとても立派なの?ありがとうかたつむり」

"Really? My philosophy is so beautiful and so magnificent? Thank you, Snail."

 

ライオンは肩こりもお腹すきもわすれて、じっとてつがくになっていた。

Lion forgot all about his stiff shoulders and hunger, and in a standstill, he has become philosophy.

 

Kudo Naoko, “Lion of Philosophy,” Tetsugaku no Lion. Tokyo: Risosha, 1982.

工藤直子、「てつがくのライオン」、『てつがくのライオン』

 

Gosto deste poema antropomórfico porque representa, em linguagem simples, a sensibilidade e a juventude como positivas e profundas. Na sociedade japonesa contemporânea, as mascotes e personagens antropomórficas inundam não apenas as superfícies comerciais, mas igualmente as políticas, já que autarquias, polícia e até tribunais criam as suas próprias personagens para promover as respectivas actividades. Neste sentido, toda a sociedade japonesa parece sofrer de infantilização. Ainda que se possa criticar este fenómeno, podemos também perguntar-nos se a infantilização é apenas sinal de uma detestável imaturidade, ou se acaso haverá algo válido que lhe subjaz. Este poema parece-me oferecer um excelente caminho para compreender este assunto.

Assim, como devemos interpretar um poema que, apesar da sua popularidade no Japão, parece ser ignorado para lá das fronteiras deste país? Importa lembrar que Kudo Naoko escreve muita poesia para crianças. Na verdade, e desde a sua publicação em 1982, “Lion of Philosophy” [“O Leão de Filosofia”] foi já frequentemente adoptado por manuais do ensino secundário japonês. À primeira vista, o poema parece representar as conversas bizarras e infantis entre o “putativo” filósofo Leão e o seu amigo Caracol, possivelmente na savana africana, que é muito mais exótica do que o Japão. Quer isto dizer que esta literatura deverá ser entendida como “infantilizada”? Não devemos, porém, ignorar o cuidadoso uso que a poetisa faz da língua japonesa ao representar algo que pura e simplesmente poderia ser cómico e do campo do fantástico. No original japonês, nota-se que da palavra “filosofia” se fazem usos cuidadosamente diferenciados. No discurso do Leão, filosofia (“tetsugaku”) escreve-se com caracteres Hiragana (てつがく). Para os leitores com conhecimentos de japonês, isto implica um traço de infantilidade por parte do Leão, já que os adultos escreveriam a palavra “filosofia” recorrendo a caracteres Kanji (哲), mais complexos. A infantilidade do Leão justapõe-se aos versos do Caracol, que fala sempre sobre filosofia com caracteres Kanji. O conceito de filosofia é estranho ao Leão, mas para o Caracol é uma forma de conhecimento estabelecida e experienciada. Assim, Kudo representa o Leão envolvido numa luta enternecedora e infantil para assimilar o novo conhecimento transmitido pelo Caracol, que é, para o Leão, um sábio mestre cujas palavras lhe revelam uma imagem que nunca antes vira. A estranheza do Leão face ao conceito de filosofia, que lhe é alheio, reforça-se nos versos 1, 3 e 12. Deste modo, o Leão tenta ser, ele próprio, “filosofia” (usando “tetusgaku” como substantivo, o que é agramatical), e não aquilo que inicialmente, no verso 2, o Caracol lhe dissera que deveria ser, “filosófico” (“tetsugakuteki”, o adjetivo gramaticalmente correto).

No fim do poema, o Leão torna-se de facto em “filosofia”. Dir-se-ia que aprendeu aquilo que a sua aparência deverá ser. Porém, o mesmo não é dizer que o Leão se torna “filosófico” – de notar que nos últimos versos do poema ainda usa a palavra “tetsugaku” em caracteres Hiragana. Facilmente se poderia minimizar o Leão por se preocupar tanto com a aparência superficial de filosofia/filósofo, e pela  expectativa irrealista de poder exibir a sua nova identidade meramente através de poses e afectações. Não é, porém, este o objectivo do poema. Muito pelo contrário, a beleza deste poema, penso eu, reside no facto de valorizar o Leão, que à sua maneira singular se torna efectivamente em filosofia propriamente dita.  A beleza peculiar do Leão “de filosofia” – que sem querer se torna ainda mais “belo e magnífico” do que o anterior “Leão filosófico” – faz-nos pensar sobre o potencial de uma criança desconhecedora que se abre a um mundo novo e aí permanece, solitária, pela primeira vez na vida. Compreendemos assim que, afinal, é isto a filosofia.

Deste modo, ao diferenciar minuciosamente a escrita da palavra “filosofia”, o poema antropomórfico de Kudo Naoko torna encantador o processo de tentativa-erro através do qual o Leão se tenta recriar como o Outro desconhecedor. Encontrar o nosso novo Eu através da voz de outro representa o processo de descoberta de um inesperado potencial. Este não é um processo fácil para ninguém: precisamos de nos preparar para aguentar ombros hirtos, fome e solidão. No entanto, tal como o Leão, talvez no fim consigamos encontrar a beleza peculiar e a magnificência. A sensibilidade do poema ao representar este potencial numa linguagem muito simples parece dizer-nos que ser infantil não deve ser, afinal, assim tão mau.

Akihiko Shimizu


Akihiko Shimizu ensina Japonês na Universidade de Edinburgo. Há alguns anos, Aki tropeçou num epigrama de três versos de Jonson, achou-o tão misterioso que decidiu tentar perceber de que raio trata o poema. Acabou por escrever uma tese de doutoramento sobre o autor.

Tradução Rita Faria

Antre mim mesmo e mim

Maria S. Mendes

 

Antre mim mesmo e mim

não sei que s’alevantou

que tão meu inimigo sou.

 

Uns tempos com grand’engano

vivi eu mesmo comigo,

agora no mor perigo

se me descobre o mor dano.

Caro custa um desengano

e pois m’este não matou

quão caro que me custou.

 

De mim me sou feito alheio,

antr’o cuydado e cuidado

está um mal derramado,

que por mal grande me veio.

Nova dor, novo receio

foi este que me tomou,

assim me tem, assim estou.

 

Bernardim Ribeiro, 810, “Vilançete seu, Incipit: Antre mim mesmo e mim”, Garcia de Resende, Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, texto estabelecido, pref. e anotado por Álvaro J. da Costa Pimpão e Aida Fernanda Dias, Coimbra: Centro de Estudos Românicos, 1973-1974.

 

 

Este poema não devia ter sido esquecido porque lê-lo evita muitas idas ao psiquiatra. É um exemplo perfeito da respiração da poesia que alivia a nossa própria respiração, e qualquer asmático (como eu) sabe perfeitamente de que estou a falar.

É um poema muito “ensimesmado” (entre aspas porque me parece uma palavra feia, mas que com o tempo se vai tornando bonita), fechado em si e “solipsista” (aspas pelas mesmas razões) mas simultaneamente universal, perturbador, e que explica avant la lettre o que Oscar Wilde, tão dado ao espalhafato, gostava de dizer – que os piores crimes do mundo se cometem na mente humana.

Bernardim confronta-nos com a alienação (“de mim me sou feito alheio”), que talvez possamos definir como a sensação de olharmos ao espelho e vermos um completo estranho que ostenta princípios, morais e verdades inteiramente diferentes da nossa – ao ponto de lhe podermos chamar mentiras. Este vilancete explica, assim, todos os momentos da vida em que lutamos contra aquilo que devemos fazer, e não contra o que meramente podemos e queremos fazer.

Normalmente, escolhemos a facilidade e a cobardia de fazer o que podemos e queremos, não o que está certo – “tão nossos inimigos somos”. A Linguística chama à modalidade, aqui transmitida pelos pomposamente designados “verbos modais” “dever e “poder”, a atitude do falante face ao enunciado linguístico. Bernardim chama-lhe qualquer coisa “que se alevantou”, “engano”, “mor dano”, e descreve o momento de lucidez cruel – “caro custa o desengano” – em que imperativamente sabemos que o nosso cérebro comete um crime, ou esse momento cobarde em que escolhemos o fácil e não o certo.

O mundo está cheio de má pessoas que julgam ser boas pessoas apenas porque nunca mataram ou insultaram ninguém sem ser pelas costas. Todos somos assim, menos Bernardim (a musicalidade deste nome confirma-se pela facilidade das rimas que permite). Ele sabe que quando o momento do desengano chega, as máscaras bondosas que cobrem o nosso Eu feioso, muito menos ideal do que desejaríamos, caem e deixarão à vista um paupérrimo retrato de Dorian Grey (quem diria que Oscar Wilde tinha tanto a ver com isto). Pelo menos, cá está Bernardim para informar de que a vida é como é, de que a condição humana se digladia com a sua própria torpeza, e enfim, “assim nos tem, assim estamos”.

Publicado no Cancioneiro Geral, este vilancete segue a “medida nova”, a moda do seu tempo, tal como muito em voga estava o badalado tema da “fragmentação do Eu”, igualmente explicado pela cantiga “desavinda” de Sá de Miranda em que este se queixa de não poder viver consigo nem sem si (a pronominalização aqui reflecte toda a intricada filosofia da cabeça destes poetas). E porém, a simplicidade desarmante e verdadeira de Bernardim ganha pontos, diria eu. “Entre mim mesmo e mim, não sei o que se alevantou” (...) “De mim me sou feito alheio”. De aliteração em aliteração, o poeta diz tudo o que há a dizer em meia dúzia de versos. Não há cá verborreia.

De Bernardim, dizia Almeida Garret: “nenhum poeta português escreveu tanto com o sangue do seu coração”. Ou talvez, nenhum poeta português escreveu tanto com a tormenta da sua cabeça. E essa tormenta, porque tanto a reconhecemos, acalma a respiração, alivia a asma. Não estamos sós.

Rita Faria


Rita Faria é professora na Universidade Católica Portuguesa, não sabe fazer mais nada sem ser ler e escrever e não quer fazer mais nada sem ser ler e escrever. Fora isto, gosta de filmes de terror, vampiros, fantasmas e zombies em geral. E considera que o português é a língua mais engraçada do mundo.