Time Out
Nuno Amado
Time Out
It took that pause to make him realize
The mountain he was climbing had the slant
As of a book held up before his eyes
(And was a text albeit done in plant.)
Dwarf cornel, gold-thread, and maianthemum,
He followingly fingered as he read,
The flowers fading on the seed to come;
But the thing was the slope it gave his head:
The same for reading as it was for thought,
So different from the hard and level stare
Of enemies defied and battles fought.
It was the obstinately gentle air
That may be clamored at by cause and sect
But it will have its moment to reflect.
Robert Frost, The Poetry of Robert Frost, ed. Edward Connery Lathem. New York: Holt, Rinehart and Winston, pp. 355-356
Sempre que passo algum tempo nos poemas completos de Robert Frost acabo por parar neste, e por pensar que não devia ter esquecido não propriamente o poema, e nem sequer aquele extraordinário verso feito de nomes de plantas, mas o efeito da sua leitura. É certo que a sua situação de partida está próxima daquilo que imediatamente recordamos de outros poemas de Frost, e que podemos reconhecer como eixo desta sobreposição límpida entre poesia e especulação: uma paragem no meio do caminho, situação tão clara em “The Road not Taken” (“long I stood”) ou em “Stopping by the Woods on a Snowy Evening”, por exemplo – a interrupção do percurso que faz parecer natural a reflexão como curso dos versos. Mas neste poema essa travagem é tão brusca quanto é brusca a constatação de que parar numa subida e ver a montanha é o mesmo que parar numa leitura e ver o texto. A travagem é essencial para o estranho efeito deste poema reflexivo: porque no momento em que a metáfora do livro da natureza nos é apresentada, definindo para o poema um possível tema, já estamos em sobressalto. A consciência física da nossa posição de leitores – “slant / before his eyes, slope it gave his head” – confunde-se com a memória do corpo do homem que sobe, e se a montanha para ele é agora um livro (“fingered”, “read”), para nós o livro passou a ser, como a montanha, contemplável – “The Figure a Poem Makes”, como no título do ensaio de Frost.
O que impressiona, porém, é o modo como essa constatação é ao mesmo tempo o centro do poema e aquilo de que o poema tranquilamente se desvia, convertendo a descoberta num estado objectivável, algo (it) que o poema tenta definir repetidamente, e sempre de forma precisa mas indeterminada: “It took that pause / But the thing was”; “It was the obstinately gentle air”. A principal deslocação é temporal, e depende da remissão da pausa para um espaço anterior ao primeiro verso. Pois quando entramos no poema, alguma coisa já aconteceu, e é isso, essa coisa (the thing), que se procura descrever, por analogia e diferença; e a aproximação entre livro e montanha, na verdade, funciona por inversão, recortando o poema (desde o título, “Time Out”) como espaço de interrupção da própria leitura, presa no jogo de espelhos entre a paragem na subida, que permite ver a montanha, e o corpo imóvel do leitor, a olhar o texto e a ser visto por ele na sua inclinação parada, “the same for reading as it was for thought”. A leitura do poema, tal como a leitura da montanha, é reflexão e não acção, especulação serena – obstinadamente gentil – que suspende todo o movimento de que depende para poder existir, incluindo o do próprio acto de leitura que o constitui. E é a experiência física do intervalo, ou da leitura como parábase – o contrário da guerra, “the hard and level stare”, e estamos em 1942 – que o poema devolve como espelho oblíquo a quem se moveu para o ler, levando-o a parar.
Clara Rowland
Clara Rowland é professora na Universidade Nova. Leu uma vez uma entrevista em que Truffaut contava que sabia de cor, dos filmes que via em miúdo, tudo o que lhe chegava aos ouvidos: palavras, música, ruído. Pareceu-lhe a descrição de uma relação com a leitura.